RACISMO ESTRUTURAL E BANALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA: UMA ANÁLISE INTERDISCIPLINAR DA REALIDADE DAS FAVELAS DO RIO DE JANEIRO SOB O OLHAR DE AUTO DE RESISTÊNCIA E DE ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA
Abstract
Metodologia: Adota-se a metodologia qualitativa e interdisciplinar, articulando três frentes principais de análise: fílmica do documentário Auto de resistência, com foco na representação da letalidade policial e nos efeitos sobre familiares das vítimas; revisão bibliográfica com enfoque sociológico e filosófico, ancorada em autores como Michel Foucault, Raymundo Faoro e Sérgio Buarque de Holanda; e intepretação metafórica da obra Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago, explorando a cegueira moral e institucional frente à violência racializada.
Resultados: O texto evidencia que a violência policial letal se insere em uma estrutura histórica de dominação racial e é legitimada por dispositivos simbólicos como o “auto de resistência”. Aponta que a omissão do Estado e a seletividade do sistema de justiça reforçam a impunidade. Denuncia, por meio da metáfora da cegueira, a recusa coletiva em reconhecer a dignidade dos corpos negros. Nesse sentido, a teoria do biopoder e a necropolítica explicam como o Estado administra a morte nas periferias. Ao final, destaca-se que iniciativas como o Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial e a decisão do STF na ADPF nº 635/RJ surgem como respostas institucionais iniciais, ainda que insuficientes.
Contribuição: O artigo apresenta sólida articulação entre teoria crítica, arte e análise jurídica, além de oferecer contribuições relevantes para o campo dos direitos humanos e da justiça racial. Essa análise amplia os métodos de investigação jurídica e propõe uma leitura contundente da atuação estatal em contextos de vulnerabilidade. Sua originalidade reside na junção entre denúncia empírica e reflexão ética, lançando luz sobre um projeto de exclusão historicamente construído.
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DOI: http://dx.doi.org/10.21902/RevPercurso.2316-7521.v1i49.7815
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PERCURSO, e-ISSN: 2316-7521
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