DA INEXISTÊNCIA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO NA RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE EMPREITADA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS EMERGENTES, LUCROS CESSANTES E PERDA DE UMA CHANCE

ANDREA FABIANE GROTH BUSATO

Abstract


OBJETIVOS DO TRABALHO

 

A autora Maria Helena Diniz pretende, através do artigo em lume, demonstrar que socorre ao empreiteiro, sem que isto se afigure enriquecimento ilícito, o direito à resolução de contrato de empreitada substancialmente inadimplido pelo incorporador, liberando-se da obrigação de construir, quando este não lhe fornece todas as unidades avençadas para construção, sem prejuízo da indenização pelos danos sofridos, sejam eles emergentes ou lucros cessantes, considerando-se, ainda, o direito à perda de uma chance, sugerindo parâmetros para a sua quantificação, na medida em que as cláusulas do contrato exigiam exclusividade na construção para a incorporadora, desde que esta lhe entregasse determinado número de unidades para serem construídas em 5 (cinco) anos. Assevera que há certeza na perda da chance do empreiteiro de competir no ramo da construção civil de baixa renda, tornando-se grande construtora no setor, pelo que esta é indenizável.

 

METODOLOGIA UTILIZADA

 

    No artigo em tela, afirma-se a utilização do método lógico-dialético, processo de raciocínio no qual um objeto de estudo é proposto (tese) e, então, é confrontado com as suas possibilidades contraditórias ou opostas (antítese), para que o resultado desse confrontamento dê origem a uma nova proposição (síntese), que se tornará uma nova tese. No entanto, na análise do texto, não se vislumbrou a aplicação desse método; verificou-se, porém, o uso do método indutivo, denotado pela observação de um fenômeno particular (inadimplemento culposo do contrato de empreitada celebrado entre a empresa “A” e a empresa “B”) e, a partir de sua análise, buscar a formulação de uma proposição mais geral (a resolução contratual e a inexistência de enriquecimento ilícito do contrato substancialmente adimplido).  

 

REVISÃO DA LITERATURA

 

Em um caso hipotético, uma empresa de construção civil “A”, de crescente destaque na área, celebra um contrato com a empresa “B”, cujo objeto é a construção de empreendimentos imobiliários de baixa renda, obrigando-se aquela a executar a construção mediante o pagamento da obra realizada e o financiamento de compra de material. Então, a empresa “C” procura a empresa “B” propondo negócio vantajoso; diante  disso, a empresa “B” propõe à empresa “A” para que esta não forneça à empresa “C” a entrega de “x” unidades imobiliárias para serem construídas em 5 anos, contanto que haja exclusividade de atuação nesse segmento de construção. 

Contudo, a empresa “B” descumpre o pactuado e a empresa “A” experimenta um grande prejuízo e, por essa razão, pede a resolução do contrato e a indenização por perdas e danos, com fulcro no art. 475 do Código Civil, uma vez que empresa “B”: i) não ofereceu o número mínimo de unidades imobiliárias que havia se obrigado; ii) não pagou o valor das unidades não ofertadas; iii) ao exigir exclusividade, subtraiu a chance de negociar com outras empresas, impossibilitando a construtora de competir no ramo de construção civil para baixa renda; iv) violou a boa-fé objetiva, a função social do contrato e a livre concorrência. (DINIZ, 2020, p. 3).

O inadimplemento culposo do contrato restou configurado, uma vez que a empresa “B” não entregou à empresa “A” o número mínimo de unidades em cinco anos, conforme estabelecido; ainda, não pagou a remuneração estipulada, tampouco deu preferência em relação a terceiros, cingindo a empresa “A”, igualmente, a uma cláusula de exclusividade, o que impediu que ela realizasse o serviço para outra incorporadora e, também, que pudesse construir, posto que a empresa “B” não lhe concedeu todas as unidades para a construção. (DINIZ, 2020, p. 5-6)

Nota-se que empresa “A” deixou de auferir a remuneração e os lucros aos quais teria direito caso a empresa “B” tivesse cumprido o contrato e, da mesma forma, perdeu a chance de contratar com outras incorporadoras, uma vez que estava obrigada a uma cláusula de exclusividade, que a obstava de operar livremente no ramo de construção civil de baixa renda. Sendo assim, a autora sustenta que uma vez verificada a chance perdida, já que não podia atuar livremente no mercado, a empresa “A” teve que suportar os custos para sua sobrevivência. A empresa “A” poderá, então, pleitear resolução contratual, indenizatória das perdas e danos, conforme reza os arts. 389 e 475 do Código Civil, bem como pela perda da chance.  (DINIZ, 2020, p. 6). 

As perdas e danos a serem estipuladas em favor da empresa “A” abarcam, além do dano emergente, o lucro cessante. O lucro cessante tem como propósito o de restituir, no patrimônio da empresa “A”, a vantagem econômica que esta auferiria se a empresa “B” tivesse cumprido a obrigação pactuada. (DINIZ, 2020, p. 9).

Ainda, da leitura dos arts. 389, 402, 475, 623, 944 do Código Civil, certifica-se, por interpretação sistemática, o direito da empresa “A” à resolução contratual e à indenização correspondente ao prejuízo provocado pela conduta culposa da empresa “B” e pela perda da chance perdida. (DINIZ, 2020, p. 10).

A doutrinadora defende que, embora o valor do quantum da indenização possa ser consideravelmente alto, não se trata de enriquecimento ilícito, uma vez que o quantum representa a justa indenização baseada no contrato e, também, por ter frustrado um projeto para o futuro. Tal quantum é resultante de inadimplemento culposo da empresa “B”, que deu origem à resolução do contrato e que ocasionou, além de dano emergente e lucros cessantes, uma indenização por perda de uma chance, que restou configurada quando da perda da possibilidade de “A” adquirir uma vantagem que seria alcançada, se a empresa “B” não tivesse inadimplido o contrato culposamente,   devendo a perda da chance ser medida para a reparação integral das perdas e danos, tomando-se como baliza o valor do contrato.  (DINIZ, 2020, p. 10 e 13).

No que diz respeito aos parâmetros para a quantificação do dano, uma vez que a obrigação se origina do ato ilícito cometido pela empresa “B” é ilíquida, há necessidade de liquidação do dano causado à empresa “A”, contabilizando-se segundo o contrato e os dados averiguados nos eventuais autos, para se saber qual o quantum que possibilite a afetiva reparação do prejuízo experimentado pela vítima. (DINIZ, 2020, p. 13-14). 

Por fim, a jurista aduz que o judiciário, quando da liquidação, deverá investigar o prejuízo integral ocasionado pelo inadimplemento culposo da empresa “B”, considerando-se: i) o grau de culpa do autor do dano); ii) a situação econômica da vítima; iii) influência de eventos exteriores ao fato danoso; iv) o dano emergente, o lucro cessante e a perda de uma chance. v) o lucro auferido pela empresa “A” com a reparação do dano, desde que ligado ao fato originador da obrigação de indenizar, isto é, o ato culposo e; vi) a apuração feita por meio de perícia.    

 

RESULTADOS OBTIDOS OU ESPERADOS

 

A resolução do contrato de empreitada, com a indenização pelos danos emergentes, lucros cessantes e pela perda de uma chance, conforme analisado no artigo em comento é a solução mais adequada para a situação problema, pelo que concordo com as proposições trazidas pela autora.

O artigo 475[1] do Código Civil de 2002 embasa o direito à resolução contratual e indenização por perdas e danos do empreiteiro em face do incorporador que não lhe oportunizou a realização da obra, na medida em que disciplina que a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução ou o cumprimento do contrato; e, em qualquer caso, remanesce o direito às perdas e danos. 

Não vislumbro enriquecimento sem causa[2][3] do empreiteiro, caso seja indenizado, inobstante a não realização da obra, na medida em que houve inadimplemento culposo, o que justifica a resolução do contrato, a condenação em danos emergentes e ema lucros cessantes, concernentes aos lucros que se auferiria se as unidades tivessem sido construídas, conforme se extrai da interpretação sistemática dos artigos 389, 402[4], 475, 623[5] e 944[6] do Código Civil.  

Ainda, a probabilidade efetiva da chance do empreiteiro foi perdida, na medida em que não pode retornar no tempo e contratar com outras empresas, concorrendo em igualdade com os seus pares, para a construção de obras já contratadas. 

Poder-se-ia amplificar a pesquisa, trazendo balizas para diferenciar a natureza jurídica da perda de uma chance da natureza jurídica dos lucros cessantes, informando critérios diferenciadores para a constatação do “quantum debeatur” de cada um deles.

O artigo conduz à conclusão de que os lucros cessantes não se confundem com a perda de uma chance, pelo que poder-se-ia investigar, em complementação, os elementos claros acerca da sua diferenciação e a forma de apuração de cada um. 

 

TÓPICOS CONCLUSIVOS

 

Entendo que o artigo respondeu às seguintes questões: 

(1) a previsão legal ao direito do empreiteiro à resolução contratual, ante o inadimplemento substancial do contrato pelo incorporador, sem prejuízo das perdas e danos (art. 475 CC); (2) a possibilidade de pleitear os danos emergentes, caso existentes, e os lucros cessantes, que se consubstanciam em 16% do valor de cada unidade imobiliária que não lhe foi oferecida para construção (lucro que auferiria, não fosse o inadimplemento do contrato); (3) a aplicação da Teoria da Perda de uma Chance, ou seja, eis que diante da cláusula de exclusividade, o empreiteiro não pode contratar com outras empresas/incorporadoras a construção de imóveis de baixa renda, perdendo a real probabilidade de se tornar uma empresa líder no mercado de construção neste segmento.

Porém, há algumas questões que podem ser objeto de pesquisa para ampliar o trabalho: (1) se sempre há cumulatividade na reparação dos danos emergentes e lucros cessantes com os danos decorrentes da aplicação da Teoria da Perda de uma Chance;  (2) se, no caso aventado, qual seja, contrato de empreitada com cláusula de exclusividade, o empreiteiro teria condições de se tornar uma grande empresa de construção de imóveis de baixa renda, ou se o prejuízo, mesmo com a perda da chance, se limitaria aos eventuais danos emergentes e aos lucros cessantes. Se se concluir que há prejuízo distinto dos danos emergentes e dos lucros cessantes, há cumulatividade com os danos decorrentes da perda da chance. Poder-se-ia aventar que passado o prazo da exclusividade, com o investimento no crescimento da empresa, com  o “know-how” adquirido e com o mercado ainda aquecido, o empreiteiro teria chances de ampliar a sua participação nos negócios desta seara, pois contaria com maquinários, mão de obra adequada, conhecimento do mercado etc; (3) a forma como liquidar o prejuízo causado pela perda da chance, que não se confunde com os lucros cessantes, os quais podem ser liquidados, como asseverado pela autora, levando-se em consideração a porcentagem (16%) que o empreiteiro lucraria em cada uma das unidades do empreendimento imobiliário. 

A resposta a estes pontos elencados pode trazer norte a diversas situações vivenciadas nos tribunais. Para tanto, faz-se necessário o estudo de ciência interdisciplinar, a economia, para que o operador de direito tenha a habilidade de questionar/elencar/fundamentar fatores preponderantes sobre o verdadeiro dano sofrido na perda efetiva da chance. A ciência do direito não é sempre capaz de solitariamente mensurar e, por vezes, reconhecer a aplicação e a amplitude da Teoria da Perda de uma Chance.


[1] Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

[2] Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.

[3] Para Limongi França (Enriquecimento sem Causa. Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1987):

"Enriquecimento sem causa, enriquecimento ilícito ou locupletamento ilícito é o acréscimo de bens que se verifica no patrimônio de um sujeito, em detrimento de outrem, sem que para isso tenha um fundamento jurídico".

[4] Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

[5] Art. 623. Mesmo após iniciada a construção, pode o dono da obra suspendê-la, desde que pague ao empreiteiro as despesas e lucros relativos aos serviços já feitos, mais indenização razoável, calculada em função do que ele teria ganho, se concluída a obra.

[6] Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.


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DOI: http://dx.doi.org/10.21902/RevPercurso.2316-7521.v3i41.5563

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PERCURSO, e-ISSN: 2316-7521

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