O DIREITO PENAL E O DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR COMO PEÇAS DO MACROSSISTEMA PUNITIVO E A REJEIÇÃO AO BIS IN IDEM

JEAN COLBERT DIAS, ANDERSON FERREIRA, MARCELO DE SOUZA SAMPAIO

Resumo


OBJETIVOS DO TRABALHO:

 

O presente trabalho tem por objetivo investigar o campo de incidência das medidas sancionatórias típicas do Direito Penal e do Direito Administrativo Sancionador, especialmente buscando a compreensão do complexo sistema punitivo nacional que permite que o mesmo conjunto fático-probatório seja escrutinado mais de uma vez pelo Poder Judiciário e por órgãos de controle externo da Administração Pública. Busca-se compreender se há coerência no complexo sistema punitivo nacional, notadamente se a múltipla incidência fiscalizatória viola ou não o princípio ne bis in idem.

 

METODOLOGIA UTILIZADA:

 

O método utilizado nesta investigação foi o dedutivo, com abordagem qualitativa, estudos de casos concretos, análise jurisprudencial e pesquisa bibliográfica específica sobre o tema. Partindo da premissa que existe um macrossistema punitivo no Brasil ancorado nos princípios e garantias constitucionais, que abarca os microssistemas punitivos estruturados no Direito Penal e no Direito Administrativo Sancionador, reconhecendo que estas esferas sancionatórias são peças menores deste complexo sistema, promovendo a aproximação destes microssistemas sob determinadas condições de similitude destacadas em precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, visando compreender o significado da independência mitigada entre os microssistemas punitivos e a própria coerência e sustentabilidade do macrossistema sancionatório brasileiro.

 

REVISÃO DE LITERATURA:

 

A partir das premissas anteriormente mencionadas, buscando particularizar a pesquisa, foi possível edificar a seguinte situação problema: “Qual o grau de vinculante da sentença absolutória criminal sobre o mesmo conjunto fático-probatório objeto de apuração na seara do Direito Administrativo Sancionador?”

Como hipótese de pesquisa, tendo como parâmetro o estado da arte sobre a temática, foi possível identificar que a doutrina e a jurisprudência dominantes defendem a independência ampla das esferas controladoras, limitando-se à defesa da vinculação obrigatória da sentença criminal absolutória às demais esferas nas hipóteses tradicionais previstas nos artigos 65 e 66 do Código de Processo Penal.

Percebe-se, portanto, que existem pontos cruciais sobre o assunto que merecem profunda pesquisa, pois não foram devidamente explorados, o que demonstra a pertinência desta investigação científica.

Além das hipóteses elencadas na norma processual penal citada, verificou-se que existem outros temas que podem ser objeto de juízo de valor na seara criminal, pois são constatações de fato e de direito que podem amealhar significativos pontos de contato com as demais esferas de controle, com especial significação quando se trata de temas ligados à Administração Pública.

Verificou-se na análise dos casos concretos a possibilidade, em relação a fatos ou direito determinados, que haja interpretação jurídica que vincule as demais esferas sancionatórias, sob pena do surgimento de sentenças judiciais ou até pronunciamentos administrativos conflitantes sobre temas indissociáveis.

Com o intuito de promover o marco teórico da pesquisa, destacou-se a recentíssima decisão proferida pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, por via da Reclamação nº. 41.557/SP, que reconheceu a independência mitigada das esferas sancionatórias quando comprovado que um mesmo substrato fático-probatório passou pelo crivo da esfera criminal culminado numa sentença absolutória, cujo resultado, caso atenda os requisitos previstos no art. 935 do Código Civil, ou seja, além daquelas tradicionais inferências aos artigos 65 e 66 do Código de Processo Penal, terá força de definitividade em face das demais esferas sancionatórias, principalmente em relação ao Direito Administrativo Sancionador.

 

Tal independência, contudo, é complexa e deve ser interpretada como uma independência mitigada, sem ignorar a máxima do ne bis in idem. Explica-se: o subsistema do direito penal comina, de modo geral, sanções mais graves do que o direito administrativo sancionador. Isso significa que mesmo que se venha a aplicar princípios penais no âmbito do direito administrativo sancionador – premissa com a qual estamos totalmente de acordo, o escrutínio do processo penal será sempre mais rigoroso. A consequência disso é que a compreensão acerca de fatos fixada definitivamente pelo Poder Judiciário no espaço do subsistema do direito penal não pode ser revista no âmbito do subsistema do direito administrativo sancionador. Todavia, a construção reversa da equação não é verdadeira, já que a compreensão acerca de fatos fixada definitivamente pelo Poder Judiciário no espaço do subsistema do direito administrativo sancionador pode e deve ser revista pelo subsistema do direito penal – este é ponto da independência mitigada. A decisão frisa que os círculos concêntricos de ilicitude não podem permitir que os mesmos fatos sejam valorados em sede de persecução penal e do Direito Administrativo Sancionador, culminando com a dupla punição ao agente, pois viola o primado do ne bis in idem.

 

Verifica-se na doutrina, portanto, a construção de uma linha hermenêutica que repele a punição em duplicidade (ne bis in idem), sob o argumento insustentável da independência plena das esferas de controle externo da Administração Pública.

 

 

 

RESULTADOS OBTIDOS OU ESPERADOS:

 

 A partir dos dados coletados nesta pesquisa, propõe-se que as demais esferas controladoras atuem de forma limitada e restrinjam-se aos aspectos residuais do direito, exatamente na ausência de ponto de contato entre o mesmo fato e o plano de aplicação da norma jurídica.

O vindouro estudo propõe a elucidação da problemática apresentada no introito, com investigação de casos concretos, objetivando verificar se a identidade do acervo fático-probatório em processos judiciais (cível e criminal) e administrativo - invocando decisões proferidas pelo Tribunal Europeu de Direitos do Homem e pelo Supremo Tribunal Federal – permitiria sua extensão, à vista do que foi decidido pelo juízo criminal, para as demais esferas sancionatórias.

 

TÓPICOS CONCLUSIVOS:

 

A pesquisa identificou a necessária proteção das garantias individuais como limitadoras do jus puniendi do Estado, apontando que o Direito Administrativo Sancionador não é completamente independente do Direito Penal, principalmente quando fatos analisados em ambas as esferas guardam similaridade.

Neste espeque, caso comprovada a identidade de partes, do conteúdo fático-probatório e que a apuração do fato se encontra no mesmo macrossistema sancionatório, haverá que ser respeitado o princípio ne bis in idem como freio ao ius puniendi.

Em vista disso, propugna-se que Direito Administrativo Sancionador não possa ultrapassar e subjugar garantias constitucionais baseado numa propalada e insustentável independência absoluta do seu caráter sancionatório, portanto, haveria uma interdependência do Direito Penal e o Direito Administrativo Sancionador, com ascendência do primeiro em relação ao segundo em razão das limitações imposta pelo ne bis in idem, agregada a outros princípios e garantias individuais emoldurados na Carta Magna e em Tratados e Convenções Internacionais.

Partindo dessas premissas, pode-se abrir novos trilhos para um estudo futuro, no sentido de estruturar um viés hermenêutico sobre o âmbito do sistema punitivo estatal e a necessária colocação do Direito Penal em sintonia com o Direito Administrativo Sancionador, exatamente na dosagem adequada das punições advindas desses microssistemas, com a nítida percepção de que o Direito Penal possui indubitável ascendência sobre as demais esferas punitivas, sem que isso importe em completa submissão, mas serviria como baliza ou como limite e respeito ao princípio ne bis in idem.


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Referências


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DOI: http://dx.doi.org/10.21902/RevPercurso.2316-7521.v3i41.5561

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