SAÚDE NO MEIO AMBIENTE LABORAL COORDENADO POR PLATAFORMAS DIGITAIS, LACUNAS LEGISLATIVAS E A CRISE DO DIREITO DO TRABALHO

PEDRO FRANCO DE LIMA

Resumo


OBJETIVOS DO TRABALHO:

 

 O direito do trabalho enfrenta novos desafios em razão do alarmante número de trabalhadores informais fruto, em grande parte, de um modelo de prestação de serviços facilitado por plataformas digitais. Nesse cenário, pretende-se identificar quais os caminhos que o Estado precisará percorrer na regulamentação das atividades exercidas na gig economy através da coordenação digital de modo a garantir o direito fundamental à saúde dos trabalhadores.

 

METODOLOGIA UTILIZADA:

 

Com abordagem qualitativa, pesquisa bibliográfica e revisão de artigos científicos observou-se que o direito a saúde é um direito humanitário e fundamental de todos, e as soluções apresentadas em legislações estrangeiras, assim como fundamentos constitucionais e de direitos humanos expressos em convenções e declarações direcionam o caminho adequado a ser seguido em um Estado Democrático de Direito: o caminho da inclusão e da solidariedade com o respeito e a promoção do direito à saúde, qualquer que seja a relação de trabalho desempenhada (subordinada ou não).

 

REVISÃO DE LITERATURA:

 

As mudanças trazidas pelos processos tecnológicos representam uma constante na economia e no trabalho que são campos marcados por tantas revoluções industriais. Klaus Schwab (2016 p. 15-16) lembra da primeira revolução ocorrida ente 1760 e 1840 que trouxe a máquina a vapor responsável por iniciar a produção mecânica; em seguida a segunda revolução industrial, através da eletricidade, possibilitou o aumento da produção no fim do século XIX; e em 1960 com a terceira revolução surge a computação, com o advento da internet em 1990.

Com o passar das revoluções e o esgotamento da saúde de trabalhadores a luta por direitos sociais foi ganhando força. No Brasil a Constituição Federal de 1937 foi a primeira a limitar o dia de trabalho em 8 horas e a Constituição de 1988 estabeleceu o parâmetro 8 horas diárias e 44 semanais, facultando a compensação de horários e redução de jornada por acordo ou convenção coletiva (CALVO, 2020, p. 429).

Ocorre que a quarta revolução industrial por suas características de velocidade, amplitude e profundidade muito mais expressivas em relação as anteriores provocará mudanças drásticas no mundo do trabalho em todos os setores e ocupações. (SCHWAB, 2016, p.42)

O termo gig economy ou economia peeer-to-peer retrata formas de organização do trabalho representando a ausência cada vez maior da empresa, na qual consumidores contatam diretamente o prestador de serviços que exercerá atividades curtas, esporádicas e geralmente para mais de um tomador. (ZIPPERER, 2019, p. 47)

Benefícios também podem ser, à primeira vista, identificados para os trabalhadores como a liberdade e mobilidade que a escolha de trabalhar ou não, assim como de realizar a atividade de forma virtual podem trazer. (SCHWAB, 2016, p.54)

Segundo Klaus Schwab (2016, p.54-55) o grande desafio que se coloca na quarta revolução industrial e nos trabalhos flexíveis é limitar as desvantagens que podem advir desses sistemas de fábricas virtuais, como a exploração, que impede as pessoas de trabalharem conforme desejam. Se essa preocupação for deixada de lado e não pensada enquanto há tempo a revolução trará consequências negativas como o “aumento dos níveis de fragmentação, isolamento e exclusão em toda a sociedade” (GRATTON apud SCHWAB, 2016, p.55)

A Constituição Federal de 1988 desde o seu preâmbulo define as bases do Estado Democrático de Direito que promove o exercício de direitos individuais e sociais básicos como a liberdade, segurança e bem-estar. E entre os princípios fundamentais que amparam este Estado está a dignidade da pessoa humana - Art. 1º, inciso III. (BRASIL, 1988).

Após o advento da nova redação do Art. 6º na CLT o conceito de meio ambiente de trabalho passou a integrar expressamente tanto os locais naturais quanto artificiais, tendo em vista o reconhecimento do trabalho a distância por meios telemáticos e informáticos de comando. (ARAÚJO JÚNIOR apud SILVA; FARIAS, 2017, p. 159)

A saúde também é entendida a partir de um conceito amplo pela Organização Mundial de Saúde - OMS, representado não apenas pela ausência de doença, mas como um estado de “completo bem-estar físico, mental e social” que representa o aspecto biopsicossocial, relacionado às características individuais, sociais e econômicas. (KEMMELMEIER, 2019, p.97)

Conforme analisa Sebastião Geraldo de Oliveira (2021, p.76) a discussão sobre a saúde laboral tem evoluído historicamente, superando a fase de monetização do risco na qual indenizações socorriam vítimas após a ocorrência do infortúnio e caminhando para novas etapas que reconhecem a prevenção como uma prioridade.

Apesar da omissão estatal na regulamentação do trabalho via plataformas digitais é possível encontrar no ordenamento, através de uma leitura abrangente, normas protetivas de saúde e segurança e aplicá-las por analogia.

Lembra Kemmelmeier (2019, p.101) que a CLT permite no Art. 8º formas de interpretação supletivas diante de lacuna legislativa como decisões conforme a jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes e o direito comparado.

A ausência de regulamentação do trabalho via plataformas digitais coloca esses trabalhadores em uma “zona cinza” na qual não possuem meios de acesso aos benefícios e proteções que empregados tradicionais possuem e é justamente este fator que traz insegurança e desproteção. (HARRIS; KRUEGER apud ZIPPERER, 2019, p.222-223)

Alves (2019, p.91-92) lembra que a preocupação com as novas formas de prestação de serviços levou a União Europeia elaborar um parecer em 2011 através do Comité Econômico e Social Europeu que reconheceu que os países que adotaram o conceito de trabalhadores economicamente dependentes, a exemplo da Alemanha, Áustria, Espanha, Itália, Portugal e Reino Unido, tinham por objetivo permitir que essa categoria usufruísse de proteções específicas.

No Brasil, embora ainda pendente de respostas legislativas para a crise do direito do trabalho, a tendência global de garantia de direitos sociais mínimos voltados para a inclusão, já ocorrida em vários países mostra algumas possibilidades ao problema enfrentado.

Isso porque qualquer política pública pensada no Brasil, como a implementação o preenchimento das lacunas trabalhistas, será realizada dentro de um Estado Democrático de Direito, que conforme explica Delgado (apud Sousa, 2019, p. 98) é representado por um “(...) tripé conceitual: pessoa humana, com sua dignidade; sociedade política, concebida como democrática e inclusiva; sociedade civil, também concebida como democrática e inclusiva”.

Portanto, a interpretação conforme a constituição deve guiar a atividade legislativa, judicial, administrativa e particular, exigindo que tanto a atuação do Estado, quanto da sociedade no âmbito privado, respeite os limites e os valores irradiados da Carta Magna.

 

RESULTADOS OBTIDOS OU ESPERADOS:

 

Com a lacuna legislativa criada diante do não enquadramento deste trabalhador de plataforma digital no conceito clássico de empregado subordinado, grandes empresas como a UBER passaram a oferecer um trabalho flexibilizado, que é exercido sem jornada fixa, com tarefas curtas e prestadas para diversos clientes fomentado pelo discurso de empreendedorismo e economia compartilhada.

Assim, compete novamente ao direito fornecer a segurança jurídica para a tensão entre economia, trabalho e tecnologia. Ocorre que a estabilidade não pode ser imposta a qualquer custo, mas precisa observar os valores e princípios fundamentais para não implicar em retrocessos sociais.

 

 

TÓPICOS CONCLUSIVOS

 

Frente ao reconhecimento das mudanças enfrentadas no mundo laborativo como consequência do crescente uso de tecnologia, foi possível perceber que a forma como grande parte do trabalho passou a ser coordenado através de aplicativos digitais mostrou uma grande crise a ser enfrentada.

A falta de regulamentação deste tipo de trabalho revela um grande número de desamparados que sem o reconhecimento do vínculo de emprego são tratados como autônomos embora controlados por meios telemáticos. O discurso das empresas detentoras de plataformas digitais aliado a falta de regulamentação da atividade coloca em xeque direitos básicos destes trabalhadores relacionados a saúde no meio ambiente de trabalho.

Qualquer que seja o caminho escolhido pelos representantes do Estado, a atenção ao que ocorre no mundo, e a base inclusiva e solidária representativa da democracia deve ser lembrada e quando não se sabe qual a solução, olhar em direção ao que já foi arduamente conquistado como a Declaração Universal dos Direitos do Humanos de 1948 revela a direção.


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Referências


ALVES, Eliete Tavelli. Parassubordinação e uberização do trabalho: algumas reflexões. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.

BRASIL. Constituição (1998). Emenda constitucional n. 9, de 9 de novembro de 1995. Lex: Legislação federal e marginalia, São Paulo, v. 59, p. 1966, out./dez. 1995.

BRASIL. Decreto nº 3.321, de 30 de dezembro de 1999. Promulga o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Protocolo de São Salvador, concluído em 17 de novembro de 1988, em São Salvador, El Salvador. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3321.htm

CALVO, Pimenta, A. Manual de Direito do Trabalho. Editora Saraiva, 2020.

KEMMELMEIER, Carolina Spack. Plataformas Digitais de Trabalho on Demand e Direito à Saúde. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães. Infoproletários e a Uberização do Trabalho: direito e justiça em um novo horizonte de possibilidades. São Paulo: LTr, 2019.

OIT – ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção n. 155. Convenção sobre segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho. Genebra, 22 de junho de 1981. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_236163/lang--pt/index.htm. Acesso em 05 ago. 2021.

OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. A proteção da Segurança e da Saúde do Trabalhador na Evolução Histórica da Justiça do Trabalho. Rev. do Trib. Reg. Trab. 10ª Região, Brasília, v. 25, n. 1, 2021. p. 64-79.

ONU. Declaração universal dos direitos humanos. 1948. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em 09 ago.2021.




DOI: http://dx.doi.org/10.21902/RevPercurso.2316-7521.v3i41.5551

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