ADMINISTRATIVIZAÇÃO DO DIREITO PENAL: ASSESSORIEDADE ADMINISTRATIVA E OS CRIMES AMBIENTAIS.

MARIA VICTÓRIA ESMANHOTTO, ISABELA MARIA STOCO

Resumo


OBJETIVO DO TRABALHO

O objetivo geral da presente investigação é averiguar os efeitos do fenômeno da administrativização nos delitos ambientais. Para tanto, será realizada a análise do fenômeno em si e de seus princípios e embasamentos, bem como de fenômenos subsidiários que ensejaram sua sedimentação, para posterior averiguação de seus impactos sobre os delitos ambientais.

Inicialmente, será analisada a trajetória do Direito Penal, tendo em vista o caminho que levou à sua expansão. Para tanto, serão investigados seus princípios, bem como suas funções norteadoras. Posteriormente, averiguados os fenômenos sociais que levaram à referida expansão.

Ainda, de extrema relevância a compreensão do fenômeno da administrativização em si, e de fenômenos subsidiários que levaram à sua concretização.

Por fim, após a ampla compreensão do fenômeno em si, será analisada sua aplicação prática. Portanto, levando em conta especificamente os delitos ambientais, buscará a verificação quanto aos impactos causados pela administrativização, visando analisar quais são as influências geradas, bem como quais as suas consequências práticas.

 

METODOLOGIA UTILIZADA

No que diz respeito à estratégia metodológica escolhida, será realizada pesquisa através do método teórico-bibliográfico, analisando doutrina constante em livros, artigos e publicações jurídicas, bem como o estudo jurisprudencial. Serão visitados também os textos legais que versem sobre o tema.

Para tanto, será utilizado o método dedutivo-dialético, tomando como pressuposto a existência do fenômeno da administrativização no sistema jurídico penal brasileiro, para, a partir dele, adentrar nos princípios e diretrizes a ele vinculados e verificar os impactos causados nos crimes ambientais.

Ainda, será visitada a jurisprudência e doutrina relacionada aos crimes ambientais, bem como toda a legislação pertinente, para a verificação da incidência ou não do fenômeno, bem como, em caso positivo, de seus efeitos práticos.

 

REVISÃO DE LITERATURA

O Direito Penal, desde seus primeiros registros, tem como função fundamental tornar a vida em sociedade algo viável. Certamente, sem ele o convívio social restaria impossível. Isto porque uma de suas característica mais marcantes é sua função de resguardar condições sociais indispensáveis para o convívio em sociedade por meio da proteção de bens jurídicos entendidos como penalmente relevantes.

Neste sentido, na medida em que a sociedade se torna mais complexa e detalhada, novos bens jurídicos surgem e, com isso, ofensas aos novos bens que ocasionam, sucessivamente, a necessidade de sua criminalização. Em razão disso, naturalmente que uma das principais particularidades do Direito Penal moderno é a sua expansão.

O processo de globalização iniciou, ao redor do mundo, em meados da década de 60. Inúmeros movimentos contribuíram para a abstração do conceito de sociedade que existia no passado. Modelos sólidos e imutáveis; verdades indiscutíveis, deram espaço ao pensamento relativo e à sociedade volátil.           Conforme explica Bauman[1], o rompimento e, em suas palavras, “derretimento” dos modelos sólidos que já se apresentavam anteriormente nunca teria sido com o objetivo de se tornar líquido, mas sim o de criar novos modelos, também sólidos, para substituí-los. Ocorre que, processos de quebra de paradigma se mostram sempre perturbadores. O tal rompimento, de fato, aconteceu. E com ele, vieram períodos de incertezas, tendo assim se instalado a liquidez pós-moderna.

Tal fato justifica  a quantidade de conflitos existentes. Segundo o sociólogo alemão Ulrich Beck[2], os riscos sempre existiram na sociedade, variando apenas seu grau de incidência. Salienta, também, que com a incidência de novos riscos, surge, automaticamente, certo desconforto. E exatamente ao tentar lidar com referido desconforto que novos conflitos surgem.

Como resposta estatal aos novos riscos, procurou-se suprimir o sentimento de impunidade da população por meio da criminalização exacerbada de condutas sociais, considerando o crime como patologia social e de penas demasiadamente altas.

Em razão dessa expansão, houve, em diversos momentos, a flexibilização dos princípios e objetivos origiários do direito penal, deixando de lado, por hora, as funções atribuídas a ele e elegidas pelo legislador como suficientemente relevantes quando da criação do Código Penal.

Segundo José L. González Cussac, Paulo Cesar Busato e Rodrigo Leite Ferreira Cabral, o Direito Penal[3]  está estritamente vinculado a uma função valorativa. A própria norma penal seleciona condutas com efeitos sobre bens jurídicos e as valora positiva ou negativamente. Ao enquadra-las como negativas, automaticamente entende por contrários ao direito, fazendo com que a norma penal proteja referidos bens jurídicos ofenditos por elas.

Portanto, o diferencial do Direito Penal repousa sobre a escolha do legislador de determinados bens que mereçam proteção e, posteriormente, de condutas que ofendam esses bens já previamente determinados que requeiram uma atenção e consequentemente punição mais severa por parte do Estado.

Assim explicam Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli[4], quando alegam que é exatamente o caráter diferenciado do direito penal vinculado à função de colaborar com a segurança pública que o garante a coerção penal, distinguindo-o das coernções jurpídicas diversas, possuindo tanto caráter preventivo, como reparador.

Nesse sentido, ao expandir a tipificação sem observar referidos objetivos e limites impostos, o legislador fez uso da já mencionada coerção penal, singular e específica, para, em alguns casos, punir condutas que não ofendem bens jurídicos criminalmente relevantes. De tal maneira, utiliza-se da legislação penal para tipificar ações nas quais sanções administrativas se fariam suficientemente efetivas.

Em síntese, ensina Silva Sánchez[5] que o “Direito Penal, que reagia a posteriori contra um fato lesivo individualmente delimitado (quanto ao sujeito ativo e passivo), se converte em um direito de gestão (punitiva) de riscos gerais e, nessa medida, está “administrativizado”.

Nesse contexto, torna-se evidente e, muitas vezes, inevitável, a adminstrativização do Direito Penal. Tal fato faz com que refeirda esfera do direito, que originalmente seria de última ratio, passe, por muitas vezes a ter um papel mais imediatista, com o simples objetivo de que as normas administrativas sejam cumpridas.

De igual forma, Winfried Hassemer explica que "El derecho penal no puede sobrevivir como un instrumento estatal de solución de problemas más o menos idóneo entre otros más”[6], visto que espera-se dele um diferencial que justifique sua criminalização.

Nesse sentido, Heleba Regina Lobo da Costa[7] alerta que referida dificuldade de interpretação do fenômeno da administrativização está presente em diversas outras áreas do direito penal, não apenas no âmbito dos delitos ambientais. Porém, em algumas delas, como nos crimes tributários, boa parte de refeirda adversidade foi superada pela jurisprudência. Porém, no que tange aos crimes contra o meio ambiente, a questão parece ainda nebulosa.

Portanto, para que se afirme quanto à eficácia ou prejuízo que o fenômeno pode implementar, necessária a análise específica de cada caso, para que se verifique a permanência ou não dos princípios e conceitos básicos do Direito Penal, bem como a quais bens se destina sua proteção, analisando se, de fato, concretizam um mero simbolismo penal ou sustentam sua essencialidade.

 

RESULTADOS OBTIDOS OU ESPERADOS

O resultado esperado é o de que seja verificada a incidência do fenômeno da administrativização no Direito Penal Brasileiro, especificamente no que diz respeito aos Crimes Ambientais, para então, caso seja constatada, seja analisada a extensão de seus efeitos, buscando afirmar se referida incidência de demonstra excessiva ou eficaz.

 

TÓPICOS CONCLUSIVOS

Finalmente, conclui-se pela evidente necessidade de análise dos efeitos do fenômeno da administrativização nos crimes ambientais, quanto a sua eficácia e real necessidade de implementação, na medida em que pode, muitas vezes, caracterizar medida necessária, bem como, em outras, apenas agravar a assessoriedade do Direito Penal às outras esferas do Direito, de forma a ferir seus princípios basilares.


[1] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 10. Itálicos originais.

[2] BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2011 (2a edição), p. 56.

[3] CUSSAC, José L. Gonzáles, BUSATO, Paulo Cesar, CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Compêndio de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral -  Valencia:  Tirana to blanch, 2017, p. 33.

[4] ZAFFARONI, Eugenio Raúl, PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral - 11 ed. rev. atual.. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 99.

[5] SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do Direito Penal: Aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. 2a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 148.

[6] HASSEMER, Winfried. Crítica al derecho penal de hoy (Spanish Edition) (Locais do Kindle 602). Universidad Externado. Edição do Kindle.

[7]DA COSTA, Helena Regina Lobo. Os Crimes Ambientais e sua relação com o Direito Administrativo. Encontrado em: VILARDI, Celso Sanchez. PEREIRA, Flavia Rahal Bresser. DIAS NETO, Theodomiro. Direito Penal Econômico: análise contemporânea. São Paulo: Saraiva, 2009. Pág. 204-205.


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Referências


BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2011 (2a edição).

CUSSAC, José L. Gonzáles, BUSATO, Paulo Cesar, CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Compêndio de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral - Valencia: Tirana to blanch, 2017.

DA COSTA, Helena Regina Lobo. Os Crimes Ambientais e sua relação com o Direito Administrativo. Encontrado em: VILARDI, Celso Sanchez. PEREIRA, Flavia Rahal Bresser. DIAS NETO, Theodomiro. Direito Penal Econômico: análise contemporânea. São Paulo: Saraiva, 2009.

SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do Direito Penal: Aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. 2a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl, PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral - 11 ed. rev. atual.. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.




DOI: http://dx.doi.org/10.21902/RevPercurso.2316-7521.v2i40.5473

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