A NECESSIDADE DA JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS REVELADA NA PANDEMIA: O CASO DE INDÍGENAS

Andre Augusto Salvador BEZERRA

Resumo


Objetivo: O artigo reflete se o fenômeno da judicialização das políticas públicas é apto para resolver democraticamente o persistente problema das violações de direitos no Brasil.  Foca a judicialização das políticas públicas durante a pandemia da COVID-19, envolvendo os povos indígenas, as primeiras populações colonizadas no país e que ainda perduram entre os estratos mais vulneráveis da sociedade brasileira. 

Metodologia: Trata-se de trabalho interdisciplinar que promove um diálogo entre o Direito e as Ciências Sociais. O Direito faz-se presente no exame de normas em vigor e de decisões judiciais. Os estudos das Ciências Sociais encontram-se na menção a uma definição mínima de democracia a partir da participação popular e à noção de colonialidade do poder para a compreensão da vulnerabilidade dos povos indígenas. Utilizam-se as técnicas de revisão bibliográfica e análise de decisões judiciais.

Resultados: A pandemia da COVID-19 evidencia a necessidade da judicialização das políticas públicas para a preservação dos direitos de populações vulneráveis, cujas necessidades nem sempre são interessantes eleitoralmente para titulares de mandatos eletivos. O trabalho alcança essa conclusão a partir da realidade vivida por indígenas durante os primeiros meses de isolamento decorrente da pandemia. As especificidades de tal estrato da população são frequentemente desconsideradas em opções políticas governamentais, levando indígenas (ou quem os represente) a   procurar o Judiciário para garantir sua própria existência, mais uma vez ao longo da História, ameaçada de genocídio pela contaminação viral. 

Contribuições: O trabalho aponta a judicialização das políticas públicas como fenômeno que não necessariamente enfraquece a democracia. Pelo contrário, pode fortalecê-la, tendo em conta que Poderes de Estado formados por eleitos pelo voto popular nem sempre se revelam prontamente permeáveis a demandas das minorias.

Palavras-chave: Judicialização; Políticas públicas; Povos indígenas; Democracia; Pandemia (COVID-19).  

 

ABSTRACT

Objective: The article reflects whether the phenomenon of judicialization of public policies is able to democratically solve the persistent problem of rights violations in Brazil. It focuses on the judicialization of public policies during the COVID-19 pandemic, involving indigenous peoples. This is the first populations colonized in the country and still remaining among the most vulnerable strata of Brazilian society.

Methodology: It is an interdisciplinary work that promotes a dialogue between law and social sciences. The law is present in the analysis of existing rules and judicial decisions. The studies of the Social Sciences are found in the mention of a minimum definition of democracy from popular participation and the notion of coloniality of power to understand the vulnerability of indigenous peoples. The study uses the techniques of bibliographic review and analysis of judicial decisions.

Results: The COVID-19 pandemic highlights the need for the judicialization of public policies for the preservation of the rights of vulnerable populations, whose needs are not always electorally interesting for elective mandate holders. The work reaches this conclusion from the reality experienced by indigenous peoples during the first months of isolation resulting from the pandemic. The specificities of such a stratum of the population are often overlooked in governmental political options, leading indigenous people (or those who represent them) to seek the judiciary to ensure their own existence, once again throughout history, threatened with genocide by viral contamination.

Contributions: The work points out the judicialization of public policies as a phenomenon that does not necessarily weaken democracy. On the contrary, it can strengthen it, given that State powers formed by popular vote are not always readily permeable to the demands of minorities.

Keywords: Judicialization; Public policy; Indigenous peoples Democracy; Pandemic (COVID-19).


Palavras-chave


Judicialização; Políticas públicas; Povos indígenas; Democracia; Pandemia (COVID-19).

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DOI: http://dx.doi.org/10.26668/revistajur.2316-753X.v3i65.5008

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