VACINAÇÃO E ESCASSEZ: CRITÉRIOS ÉTICOS E JURÍDICOS PARA A ALOCAÇÃO DE RECURSOS NO CONTEXTO DA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS

Luciana Gaspar Melquíades DUARTE, Víctor Luna VIDAL

Resumo


Objetivo: Esta pesquisa busca investigar a eticidade e a juridicidade do Plano Nacional de Imunização contra a Covid-19 (PNI) e propor critérios para a obtenção de justiça na distribuição vacinal.

Método: O estudo utiliza o método teórico-dedutivo para a realização de uma pesquisa qualitativa com abordagem analítica e propositiva, mediante emprego de fontes indiretas de pesquisa como textos científicos e marcos normativos.

Resultados: O estudo concluiu pela adoção parcial do critério das responsabilidades especiais, o que implicaria a disponibilização prioritária de imunizantes aos profissionais de saúde, desde que limitada àqueles que atuam no combate da pandemia ou em ações em defesa da vida. Sustentou a priorização de grupos vulneráveis sanitária ou socialmente, o que corresponde ao critério da morte iminente. Conduziu à percepção da validade da proteção de alguns grupos profissionais, à crítica da falta de especificação de critérios para a preferência de outros, e censurou a ausência de prioridade de algumas categorias. Por fim, foi proposta a organização do calendário vacinal, após a imunização dos grupos contemplados no PNI, em ordem decrescente à percepção de renda per capta, em virtude do maior risco inerente às classes financeiramente mais carentes.

Conclusões: O PNI atende a alguns critérios de equidade consoantes ao Direito e aos valores potencialmente perfilhados pela sociedade brasileira, mas carece de aperfeiçoamento no processo distributivo vacinal para o alcance pleno da justiça sanitária.

Palavras-chave: Vacina; Escassez severa; Direito à vida; Direito à saúde; Equidade.

 

ABSTRACT

Objective: This research seeks to investigate the ethic and the legality of the National Immunization Plan against Covid-19 (PNI) and propose criteria for obtaining justice in the vaccine distribution. 

Method: The study uses the theoretical-deductive method to conduct a qualitative research with analytical and propositional approach, through the use of indirect sources of research as scientific texts and normative frameworks. 

Results: The study concluded that the criterion of special responsibilities was partially adequate, which would imply the priority availability of immunizations to health professionals, since that they are limited to those who work in the fight against the pandemic or in actions in defense of life. It was the base for the prioritization of sanitaryly or socially vulnerable groups, which corresponds to the criterion of imminent death. It led to the perception of the validity of the protection of some professional groups, to the criticism of the lack of specification of criteria for the preference of others, and it criticized the lack of priority of some categories. Finally, it was proposed the organization of the vaccination calendar, after the immunization of the groups contemplated in the PNI, in decreasing order to the perception of income per capita, due to the greater risk inherent to the financially neediest classes.

Conclusions: The PNI meets some criteria of equity in accordance with Law and the values potentially profiled by Brazilian society, but lacks improvement in the vaccine distributive process to fully achieve health justice. 

Keywords: Vaccine; Severe scarcity; Right to life; Right to health; Fairness.


Palavras-chave


Vacina; Escassez severa; Direito à vida; Direito à saúde; Equidade

Texto completo:

PDF PDF (English)

Referências


AITH, Fernando Mussa Abujamra. Direito à saúde e democracia sanitária: experiências brasileiras. Revista de Direito Sanitário, [S. l.], v. 15, n. 3, p. 85-90, 2015. DOI: 10.11606/issn.2316-9044.v15i3p85-90. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rdisan/article/view/97328. Acesso em: 6 fev. 2021.

ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica. 2. ed. Tradução Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2005

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011.

BIANCA MUNIZ. Publica. Brasil registra duas vezes mais pessoas brancas vacinadas que negras: vacinação começou com mulher negra, mas agora há mais brancos vacinados; mortalidade da covid-19 em negros é maior. acinação começou com mulher negra, mas agora há mais brancos vacinados; mortalidade da covid-19 em negros é maior. 2021. Disponível em: https://apublica.org/2021/03/brasil-registra-duas-vezes-mais-pessoas-brancas-vacinadas-que-negras/. Acesso em: 31 mar. 2021.

BITTAR, Eduardo C. B. Curso de ética jurídica. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

BOBBITT, Philip; CALABRESI, Guido. Tragic Choices: the Conflicts Society Confronts in the Allocation Of Tragically Scarce Resources. New York, London: W.W. Norton & Company, 1978.

BODRA, Maria Eugênia Ferraz do Amaral; DALLARI, Sueli. Gandolfi. A saúde e a iniciativa privada na Constituição Federal de 1988: princípios jurídicos. Revista de Direito Sanitário, [S. l.], v. 20, n. 3, p. 240-260, 2020. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/rdisan/article/view/180250. Acesso em: 31 jan. 2021.

BRASIL. Agência Brasil. Senadores ouvem laboratórios e destacam número insuficiente de vacinas. Representantes das empresas foram ouvidos no Senado. 23. mar. 2021. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-03/senadores-ouvem-laboratorios-e-destacam-numero-insuficiente-de-vacinas. Acesso em: 27 mar. 2021.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Regras de Mandela: regras mínimas das Nações Unidas para o tratamento de presos. Coordenação Luís Geraldo Santana Lanfredi. Brasília: CNJ, 2016. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/09/a9426e51735a4d0d8501f06a4ba8b4de.pdf. Acesso em: 21 fev. 2021.

BRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm. Acesso em: 20 fev. 2021.

BRASIL. Governo do Brasil. Pesquisa nacional de saúde. 2015. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/noticias/saude/2015/06/71-dos-brasileiros-tem-os-servicos-publicos-de-saude-como-referencia. Acesso em: 15 dez. 2018.

BRASIL. Lei nº 6.250, de 30 de outubro de 1975. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6259.htm. Acesso em: 07 fev. 2021.

BRASIL. Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7783.HTM#:~:text=14.047%2C%20de%202020)-,Art.,das%20necessidades%20inadi%C3%A1veis%20da%20comunidade. Acesso em 30 mar 2021.

BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm. Acesso em: 07 fev. 2021.

BRASIL. Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9782.htm. Acesso em: 06 fev. 2021.

BRASIL. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm. Acesso em: 14 fev. 2021.

BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 20 fev. 2021.

BRASIL. Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13979.htm. Acesso em: 07 fev. 2021.

BRASIL. Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l14026.htm. Acesso em 30 mar 2021.

BRASIL. Lei nº 14.125, de 10 de março de 2020. /Disponível ehttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14125.htmm0: Acesso em: 13 mar 2021.

BRASIL. Pedro Rafael Vilela. Agência Brasil. Governo federal diz que não se envolve em compras privadas de vacina: empresas querem comprar 33 milhões de doses para imunizar funcionários. Empresas querem comprar 33 milhões de doses para imunizar funcionários. 2021. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-01/governo-federal-diz-que-nao-se-envolve-em-compras-privadas-de-vacina. Acesso em: 06 fev. 2021.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Cível Originária nº 3.463. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. 2021. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ACO3463.pdf. Acesso em: 07 fev. 2021.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Vacinas: ministro determina que governo detalhe ordem de preferência em grupos prioritários. Lewandowski deu prazo de cinco dias para que a divulgação seja feita de forma clara e com base em critérios técnico-científicos. 08 de fevereiro de 2021. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=460138&tip=UN. Acesso em: 20 fev. 2021.

DALLARI, Sueli Gandolfi. A construção do direito à saúde no Brasil. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 9, n. 3, p. 9-35, nov. 2008, fev. 2009. Disponível em: https:// www.revistas.usp.br/rdisan/article/view/13128. Acesso em: 28 abr. 2020.

DUARTE, Luciana Gaspar Melquíades; MAGALHÃES, Felipe Rocha. Ethical criteria for scarce resource allocation in public health. Forum Administrativo: direito público. Belo Horizonte: Forum, ano 18, n. 212, out. 2018. 155 p. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/163675. Acesso em: 15 maio 2020.

DUARTE, Luciana Gaspar Melquíades. Possibilidades e Limites do Controle Judicial sobre as Políticas Públicas de Saúde: um Contributo para a Dogmática do Direito à Saúde. 2. ed. Revisão, atualização e ampliação Víctor Luna Vidal. Belo Horizonte: Fórum, 2020.

DUARTE, Luciana Gaspar Melquíades; CASTRO, Yuran Quintão. Núcleo essencial do direito à saúde: demandas de saúde de primeira necessidade. In: DUARTE, Luciana Gaspar Melquíades; VIDAL, Victor Luna. (org). Direito à Saúde: judicialização e pandemia do novo coronavírus. São Paulo: Thomson Reuters, 2020, p. 201-230.

DUARTE, Luciana Gaspar Melquíades; VIDAL, Víctor Luna. Judicialização dos leitos de UTI no contexto da pandemia do novo coronavírus. In: DUARTE, Luciana Gaspar Melquíades; VIDAL, Victor Luna. (org). Direito à Saúde: judicialização e pandemia do novo coronavírus. São Paulo: Thomson Reuters, 2020, p. 107-144.

DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

FEDERAÇÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DE SÍNDROME DE DOWN (FBASD). Parecer Técnico da UNIFESP sobre vacinação contra COVID-19 para as pessoas com síndrome de Down. 12 de janeiro de 2021. Disponível em: https://federacaodown.org.br/parecer-tecnico-da-unifesp-sobre-vacinacao-contra-covid-19-para-as-pessoas-com-sindrome-de-down/. Acesso em: 20 fev. 2021.

KILNER, John F. Who lives? Who dies?: Ethical Criteria in Patient Selection. Yale: Yale University Press, 1990.

MATUOKA, Ingrid. Como está sendo a reabertura das escolas pelo mundo. Centro de Referências em Educação Integral. 10 set. 2020. Disponível em: https://educacaointegral.org.br/reportagens/como-esta-sendo-reabertura-das-escolas-pelo-mundo/. Acesso em: 17 mar. 2021.

MELLO, Cecília. Expectativas sobre uma vacina contra o vírus da covid-19. Algumas reflexões jurídicas e sociais. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 1022/2020, p. 307 – 325.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro de 1948. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em 17 mar. 2021.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Constituição da Organização Mundial de Saúde, de 22 de julho de 1946. Disponível em: http://www.direitoshumanos. usp.br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mundial-da-Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html. Acesso em: 26 jun. 2020.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. WHO SAGE ROADMAP FOR PRIORITIZING USES OF COVID-19 VACCINES IN THE CONTEXT OF LIMITED SUPPLY. Version 1.1. 13 de novembro de 2021. Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/immunization/sage/covid/sage-prioritization-roadmap-covid19-vaccines.pdf?Status=Temp&sfvrsn=bf227443_2. Acesso em: 21 fev. 2021.

OUR WORLD IN DATA. Coronavirus (COVID-19) Vaccinations. Reino Unido, 2021. Disponível em: https: https://ourworldindata.org/covid-vaccinations?country=~BRA. Acesso em: 18 mar. 2021.

PODER 360. Pandemia volta a ter mais mortes; letalidade por faixa etária se mantém. Considerando dados desde o início/Idosos são maioria das vítimas/Poder360 compilou dados/De Brasil, Itália, EUA e Espanha/E de Suécia e Reino Unido/Conheça faixa etária dos mortos. 19 de dezembro de 2020. Disponível em: https://www.poder360.com.br/coronavirus/pandemia-volta-a-ter-mais-mortes-mas-faixa-etaria-da-letalidade-se-mantem/. Acesso em: 07 fev. 2021.

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução Jussara Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

SANAR SAÚDE. COVID-19. Por que minorias étnicas e sociais são mais vulneráveis à Covid-19. Disponível em: https://www.sanarmed.com/por-que-minorias-etnicas-e-sociais-sao-mais-vulneraveis-a-covid-19. Acesso em: 30 mar. 2021.

TOLEDO, Cláudia. Mínimo existencial – A Construção de um conceito e seu tratamento pela Jurisprudência Constitucional Brasileira e Alemã. Revista de Propriedade Intelectual – Direito Contemporâneo e Constituição, Aracaju, Ano VI, v. 11, n. 01, p. 102-119, fev. 2017. Disponível em: http://pidcc.com.br/artigos/012017/062017.pdf. Acesso em: 10 jan. 2020.

ZIPPELIUS, Reinhold. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 2012.




DOI: http://dx.doi.org/10.26668/revistajur.2316-753X.v2i64.5196

Apontamentos

  • Não há apontamentos.




Revista Jurídica e-ISSN: 2316-753X

Rua Chile, 1678, Rebouças, Curitiba/PR (Brasil). CEP 80.220-181

Licença Creative Commons

Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.