COVID-19 E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: OS PODERES DO CURADOR NA DECISÃO SOBRE TRATAMENTOS EXPERIMENTAIS

Augusto Martinez PEREZ FILHO, Gabriel de Oliveira SILVA, Manuela Bocayuva CARVALHO, Mariana Passos BERALDO

Resumo


Objetivo: O presente artigo visa analisar o consentimento das pessoas com deficiência intelectual na autorização de tratamentos e procedimentos médicos experimentais contra a COVID-19.

Metodologia: A partir do contexto atual de pandemia enfrentado pelo Brasil e diversos outros países, verificamos as formas como a pessoa com deficiência pode autorizar esses tratamentos, especialmente as pessoas submetidas à curatela. Para se chegar a esse objetivo, discutimos a necessidade de consentimento de pessoas sem deficiência aos tratamentos e procedimentos médicos experimentais. Após, analisamos os poderes do curador frente à legislação atual e, especialmente, às alterações trazidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015). Nesse aspecto, abordamos as limitações impostas ao curador, na medida em que o ordenamento jurídico restringe a tomada de decisões deste aos atos meramente negociais ou patrimoniais do curatelado, ressalvando expressamente que outros atos da vida civil, incluídos os referentes à sua saúde, devem ser tomados pela própria pessoa com deficiência.

Resultados: Chegamos à conclusão de que o consentimento para tratamentos experimentais das pessoas com deficiência intelectual deve ser dado pelo próprio paciente, não devendo ser considerada a vontade do curador. Para as pessoas submetidas ao instituto de tomada de decisões apoiada, é possível que os apoiadores auxiliem a pessoa com deficiência quanto ao melhor tratamento, ressalvando-se que a decisão continua sendo ato exclusivo do paciente. Por fim, concluímos que a única possibilidade de intervenção do curador na decisão sobre o tratamento a ser escolhido é restrita aos casos em que o curatelado não pode exprimir sua própria vontade.

Contribuições: O estudo visa contribuir para a evolução das discussões sobre a autonomia das pessoas com deficiência intelectual, principalmente frente ao número crescente de intervenções médicas relacionadas à COVID-19.

Palavras-chave: COVID-19; pessoas com deficiência; curador; consentimento.

 

ABSTRACT

Objective: This article aims to analyze the consent of people with intellectual disabilities to authorize treatments and experimental medical procedures against COVID-19.

Methodology: Based on the current pandemic context faced by Brazil and several other countries, we have verified the ways in which people with disabilities can authorize these treatments, especially people who are subject to curatorial care. To achieve this goal, we discussed the need for consent of people without disabilities to experimental medical treatments and procedures. Afterwards, we analyzed the powers of the curator in view of the current legislation and, especially, the changes brought by the Statute of the Person with Disabilities (Act nº 13.146 / 2015). In this regard, we address the limitations imposed on the curator, insofar as the legal system restricts his decision-making to the merely commercial or patrimonial acts of the person who are subject to curatorial care, expressly stating that other acts of civil life, including those relating to his health, must be taken by the person with disabilities himself.

Results: We concluded that the consent for experimental treatments for people with intellectual disabilities must be given by the patient himself, and should not be considered the curator's will. For people submitted to the supported decision-making institute, it is possible for supporters to assist the person with disabilities in terms of the best treatment, with the exception that the decision remains an exclusive act of the patient. Finally, we conclude that the only possibility for the curator to intervene in deciding the treatment to be chosen is restricted to cases in which the patient can not express his own will.

Contributions: The study aims to contribute to the evolution of discussions on the autonomy of people with intellectual disabilities, especially in view of the growing number of medical interventions related to COVID-19.

Keywords: COVID-19; people with disabilities; curator; consent.


Palavras-chave


COVID-19; pessoas com deficiência; curador; consentimento

Texto completo:

PDF PDF (English)

Referências


B

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 jan. 2021

BRASIL. Decreto nº 592, de 06 de Julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, Brasília, DF. 1992. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm. Acesso em: 10 jan. 2021.

BRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de Agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, Brasília, DF. 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm#:~:text=Decreto%20n%C2%BA%206949&text=DECRETO%20N%C2%BA%206.949%2C%20DE%2025,30%20de%20mar%C3%A7o%20de%202007. Acesso em: 10 jan. 2021.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil, Brasília, DF. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 11 jan. 2021.

BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de Julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), Brasília, DF. 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 12 jan 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Ministério da Saúde divulga diretrizes para tratamento medicamentoso de pacientes. 20 de maio de 2020. Disponível em: https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46919-ministerio-da-saude-divulga-diretrizes-para-tratamento-medicamentoso-de-pacientes. Acesso em: 13 jan. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Monitoramento de Vacinas em Desenvolvimento Contra SARS-CoV-2: relatório técnico. 31 de dezembro de 2020. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/Coronavirus/vacinas/pdfs/20201030_cgpclin_decit_sctie_ms_relatorio_tecnico_monitoramento_vacinas_sars-cov-2_final.pdf. Acesso em: 15 jan. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Anvisa divulga relatórios técnicos das vacinas aprovadas. 29 de janeiro de 2021. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2021/anvisa-divulga-relatorios-tecnicos-das-vacinas-aprovadas. Acesso em: 1 fev. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. O que muda com o registro de uma vacina? 24 de fevereiro de 2021. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2021/o-que-muda-com-o-registro-de-uma-vacina. Acesso em: 1 mar. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. Painel Coronavírus. Disponível em: . Acesso em: 3 mar. 2021.

CARDIM, Maria Eduarda. Governo de SP testará vacina chinesa contra covid-19 em 9 mil voluntários. 11 de junho de 2020. Correio Braziliense. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2020/06/11/interna-brasil,863087/governo-de-sp-testara-vacina-chinesa-contra-covid-19-em-9-mil-voluntar.shtml. Acesso em: 13 jan. 2021.

CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. OMS revê recomendação de nação usar ibuprofeno para tratar Covid-19. 20 de março de 2020. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/oms-reve-recomendacao-de-nao-usar-ibuprofeno-para-tratar-covid-19_77961.html. Acesso em: 13 jan. 2021.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Código de Ética Médica. 2010. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/images/PDF/cem2019.pdf. Acesso em: 16 jan. 2021.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 1. 29. edição. São Paulo: Saraiva, 2012.

DPE-RJ, Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Enunciados relativos à curatela. 2017. Disponível em: http://www.defensoria.rj.def.br/uploads/arquivos/74fd8c4c98a0462c817eefe739fb2976.pdf. Acesso em: 10 jan. 2021.

FRANÇA, Genival Veloso de. Tratamento arbitrário. 20-?. Conselho Federal de Medicina. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/Regional/crmpb/artigos/trat_arbt.htm. Acesso em: 10 jan. 2021.

FREITAS, Vladimir Passos de. Direitos reconhecidos aos vulneráveis: como, quando e onde. 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-nov-25/segunda-leitura-direitos-reconhecidos-aos-vulneraveis-quando-onde. Acesso em: 15 jan. 2021.

GRANCHI, Giulia. Covid-19: maior estudo até agora aponta que hidroxicloroquina é ineficaz. 08 de maio de 2020. Portal Uol. Disponível em: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/05/08/covid-19-maior-estudo-ate-agora-aponta-que-hidroxicloroquina-e-ineficaz.htm. Acesso em: 13 jan. 2021.

LANNA JUNIOR, Mário Cleber Martins (Comp.). História do Movimento Político Das Pessoas com Deficiência no Brasil. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2010.

LEITE, Flavia Piva Almeida; LOPES, Cintia Barudi. Políticas públicas de enfrentamento da Covid-19 para proteção das pessoas com deficiência. Revista Juridica, v. 5, n. 62, pp. 229 - 250, dez. 2020. Disponível em: http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/view/4924. Acesso em: 01 fev. 2021.

MENDES, Isabel Cristina Melo. Remdesivir: estudo mostra recuperação mais rápida em pacientes com Covid-19. 05 de maio de 2020. Disponível em:https://pebmed.com.br/remdesivir-estudo-mostra-recuperacao-mais-rapida-em-pacientes-com-covid-19/. Acesso em: 13 jan. 2021.

MIZIARA, Ivan. Ética para clínicos e cirurgiões: consentimento. Revista da Associação Médica Brasileira, v.59, Ano 4, 2013, p. 312-315.

PFIZER. Covid-19: principais perguntas e respostas sobre vacina Pfizer e Biontech. 2021. Disponível em: https://www.pfizer.com.br/sua-saude/vacinacao/covid-19-principais-perguntas-respostas-sobre-vacina-pfizer-e-biontech. Acesso em: 1 mar. 2021.

RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. São Paulo: Saraiva, 2011.

REQUIÃO, Maurício. Estatuto da Pessoa com Deficiência altera regime civil das incapacidades. Revista eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, v. 5, n. 46, pp. 28-33, 2015. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/1939/87543/2015_requiao_mauricio_estatuto_pessoa.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 15 jan. 2021.

SANTOS, Bruna Lais Resende; DINIZ, Fernanda de Paula. As Implicações da Lei nº 3.146/2015 no Sistema Jurídico Brasileiro: Uma Discussão Acerca da Teoria das Incapacidades. In: FREITAS, André Vicente Leite de; DINIZ, Fernanda Paula; RIBEIRO, Thiago Helton Miranda (Org.). Direitos da Pessoa com Deficiência – Estudos em homenagem ao Professor Daniel Augusto dos Reis. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contagem: Virtual Books, 2018, p. 169-209.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 6ª edição. São Paulo: Método, 2016.




DOI: http://dx.doi.org/10.26668/revistajur.2316-753X.v2i64.5044

Apontamentos

  • Não há apontamentos.




Revista Jurídica e-ISSN: 2316-753X

Rua Chile, 1678, Rebouças, Curitiba/PR (Brasil). CEP 80.220-181

Licença Creative Commons

Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.