PERDA DE UMA CHANCE NA SEARA MÉDICA: A TEORIA DAS PROBABILIDADES APLICADA À ARTE DA PROBABILIDADE

Marcelo Paulo MAGGIO, Suéllyn Mattos de ARAGÃO

Resumo


Objetivo: O presente estudo tem por objetivo propor reflexões acerca das limitações e controvérsias da aplicação da teoria jurídica da perda de uma chance à seara médica, enquadramento tido como marca do novo paradigma da responsabilidade civil. Para além dos elementos doutrinários, o artigo recorre ao fundamento científico epidemiológico com o propósito de apontar as problemáticas derivadas dessa aplicação. Sobretudo aquelas relacionadas ao aparente desalinho entre as bases da medicina – tida como a arte da probabilidade –, do raciocínio clínico e os pressupostos da teoria.

Metodologia: Hipotético-dedutivo, com a utilização de técnica de pesquisa bibliográfica incluindo doutrina do direito civil e literatura médica em propedêutica médica e clínica médica.

Resultados: O universo médico e suas áleas, o progresso científico experimentado nesse campo e os instrumentos epidemiológicos disponíveis possuem limitações, em especial, no que se refere à mensuração de probabilidades diagnósticas e terapêuticas, o que dificulta a aplicação da teoria jurídica da perda de uma chance à seara médica. No contraponto, há contextos em que a harmonização da teoria com o exercício da medicina parece amoldar-se de forma mais apropriada, como nos casos de obrigação de resultados, frequentemente atribuíveis aos procedimentos estéticos.

Contribuição: O artigo contribui com o avanço do debate jurídico científico sobre o tema vez que salienta a importância do reconhecimento das características de fortuito e imponderável da ciência médica, reafirmando os entraves faceados para se traduzir em percentuais estatísticos as chances de cura, vida ou morte de pacientes, contexto que reflete, em alguma medida, nas dificuldades de aplicação da teoria da perda da chance a esse universo.

Palavras-chave: perda de uma chance; responsabilidade civil; direito médico.

  

ABSTRACT

ObjectiveThe present study aims to propose reflections on the limitations and controversies of the application of the legal theory of losing a chance to the medical field, a framework considered as a mark of the new paradigm of civil liability. In addition to the doctrinal elements, the article uses the epidemiological scientific basis, with the purpose of pointing out the problems derived from this application. Especially those related to the apparent mismatch between the foundations of medicine - regarded as the art of probability - of clinical reasoning and the assumptions of theory.

Methodology: Hypothetico-deductive method, using the technique of bibliographical research, including the civil law doctrine and medical literature about propaedeutic (workup) and clinic.

Results: The medical universe and its alleys, the scientific progress experimenting in that area, and the epidemiological tools available, all have limits, especially regarding the measure of diagnostic and therapeutic probabilities, making the application of the legal theory called “loss of a chance” even more difficult to the medical field. On the other hand, there are contexts in which the harmonization of theory and medical practice seems to be shaping itself around in a more appropriate way, as in those cases of mandatory results, frequently chargeable to cosmetic procedures.

Contribution: This article adds to the legal scientific discussion on this topic, as it stresses the relevance of the recognition of fortuitous and imponderable characteristics of medical science, reassuring the obstacles that are faced to be translated into statistic percentage of chances of cure, life or death of patients, which reflects, to some extent, the difficulties of the “loss of a chance” theory application to this universe.

Keywords: loss of a chance; civil liability; medical law.


Palavras-chave


Perda de uma chance; Responsabilidade civil; Direito Médico.

Texto completo:

PDF

Referências


ALBERT, Daniel; MUNSON, Ronald; RESNIK, Michael. Reasoning in medicine: An introduction to clinical inference. Baltimore: The John Hopkins University Press, 1988.

BARROS JÚNIOR, Edmilson de Almeida. A responsabilidade civil do médico. São Paulo: Atlas, 2007.

BONITA Ruth, BEAGLEHOLE Robert, KJELLSTROM Tord. Epidemiologia Básica. 2ª ed. São Paulo: Grupo Editorial Nacional; 2010.

BORÉ, Jacques. L'indemnisation pour les chances perdues: une forme d'appréciation quantitative dela causalité d'un fait dommageable. JCP.,1974. I. 2620.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002.

BRAZIL, Marcelo Pasquini. LA THÉORIE DE LA PERTE D´UNE CHANCE E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO. Direito UNIFACS, v. 176, 2015.

BRITTO NETO, José Gomes de; ARAGAO, Alisson Fontes de. O erro médico e a teoria da perda de uma chance como modalidade autônoma de indenização. In: Luciana Costa Poli; César Augusto de Castro Fiuza. (Org.). Direito Civil. 1ed.Florianópolis: Funjab, 2013.

BURCHETT, Helen; UMOQUIT, Muriah ; DOBROW, Mark. How do we know when research from one setting can be useful in another?: A review of external validity, applicability and transferability frameworks. J Health Serv Res Policy, 2011.

BUSS, Paulo Marchiori; PELLEGRINI FILHO, Alberto. A saúde e seus determinantes. PHYSIS: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, 2007.

CHABAS, François. Vers un changement de nature d l´obligation medicale. J.C.P., 1973. I. 2541.

CITROME, Leslie; KETTER, Terence A. When does a difference make a difference? Interpretation of number needed to treat, number needed to harm, and likelihood to be helped or harmed. Int J Clin Pract 2013; 67: 407–11.

CORREA, Ricardo de Amorim et al. Recomendações para o manejo da pneumonia adquirida na comunidade 2018. Jornal brasileiro de pneumologia, São Paulo, v. 44, n. 5, p. 405-423, Oct. 2018.

COUTINHO, Evandro Silva Freire; CUNHA, Geraldo Marcelo da. Conceitos básicos de epidemiologia e estatística para a leitura de ensaios clínicos controlados. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v. 27, n. 2, p. 146-151, June 2005 .

FERGUNSON, Linda. External validity, generalizability, and knowledge utilization. Journal of Nursing Scholarship, 2004.

FLETCHER, Robert H.; FLETCHER, Suzanne W.; FLETCHER, Grant S. Epidemiologia clínica. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 15 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2019.

GUIMARÃES, Janaína Rosa. Perda de uma Chance: Considerações acerca de uma teoria. Advocacia Dinâmica, Seleções Jurídicas, Jurisprudência Comentada. São Paulo, n 7, jul. 2009.

HILL, Austin Bradford. The environment and disease: association or causation? Proc R Soc Med, 1965.

KFOURI NETO, Miguel. Culpa Médica e Ônus da Prova: presunções, perda de uma chance, cargas probatórias dinâmicas, inversão do ônus probatório e consentimento informado: responsabilidade civil e pediatria, responsabilidade civil em gineco-obstetrícia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

LABORDA CALVO Eugênio. Quantum Doloris. Aspectos práticos da avaliação do dano Corporal em Direito Civ. 2008.

LATEEF Fatimah. Clinical Reasoning: The Core of Medical Education and Practice. Int J Intern Emerg Med, 2018.

LEVIT, Nancy. Ethereal Torts. George Washington Law Review, v. 61, 1992.

LIMA, Alvino. Culpa e Risco. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

LOPES, Anselmo Dantas, LICHTENSTEIN Arnaldo. William Osler. Rev Med (São Paulo), 2007.

LOUREIRO, Cínthia Ayres Holanda; MARTINS, Cláudia Laíse Reis; REIS, Maria Clara Simeão. A teoria da perda de uma chance de cura e sua aplicação na seara médica. Caderno de Estudos Ciência e Empresa (FAETE), v. ano 11, 2014.

MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo código civil: do inadimplemento das obrigações: (arts. 389 a 420). Rio de Janeiro: Forense, 2003.

MAZEAUD, Henry.; MAZEAUD, Leon. Traité Théorique e pratique de la responsabilité civile délictuelle et contractuelle. 4. ed. Paris: Libraire du Recueil Sirey, 1947.

MELLO, Fabiano de. A teoria da perda de uma chance. Revista Prática Jurídica, Brasília, ano X, n. 110, 2011.

MOTA, Claudinéia Onofre de Assunção. ASPECTOS DESTACADOS DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE NO DIREITO BRASILEIRO. DE JURE (BELO HORIZONTE), v. 15, 2016.

NORMAN, Geoffrey. (2005). Research in clinical reasoning: Past history and current trends. Medical education, 2005

NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações: fundamentos do direito das obrigações: Introdução à responsabilidade civil, volume 1. São Paulo: Saraiva, 2003.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). CID – 11 Classificação Internacional das Doenças (CID). 11ª revisão. Disponível em: https://icd.who.int/en/.

OSLER William. Chronic tonsillitis. In: The principles and practice of medicine. New York, 1892.

PEGAS, Rosangela da Silva; SANTANA, Hector Valverde. Teoria da perda de uma chance: análise histórica, doutrinária e jurisprudencial. REVISTA DE ESTUDOS E PESQUISAS AVANÇADAS DO TERCEIRO SETOR, v. 5, 2018.

PEIXOTO, José Maria; SANTOS, Silvana Maria Elói; FARIA, Rosa Madalena Delbone de. Processos de Desenvolvimento do Raciocínio Clínico em Estudantes de Medicina. REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA (ONLINE), v. 42, 2018.

PENNEAU, Jean. La réforme de la responsabilité médicale: responsabilité ou assurance. Revue Internationale de Droit Comparé, 1990.

REZENDE, Joffre Marcondes. À sombra do plátano: crônicas de história da medicina [online]. São Paulo: Editora Unifesp, 2009.

ROSÁRIO, Grácia Crsitina Moreira do. A Perda da Chance de Cura na Responsabilidade Médica, Revista da EMERJ, v. 11, nº 43, 2008.

SÁ-JÚNIOR, Luiz Salvador de Miranda. Uma introdução à medicina: Volume I – O médico. Brasília, 2013.

SAVATIER, René. Une faute peut-elle egendrer la responsabilité, d´un domage sans I´avoir causé´?, in Recueil Dalloz Sirey, 1970.

SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil por perda de uma chance. 3ª edição. São Paulo: Atlas, 2012.

SCHMIDT Henk G; MAMEDE Silvia. How to improve the teaching of clinical reasoning: a narrative review and a proposal. Medical Education, 2015.

SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

SILVA, Roberto de Abreu e. A Teoria da Perda de uma Chance em Sede de Responsabilidade Civil: Revista da Emerj. Rio de Janeiro, n. 36, 2006.

SILVEIRA, Daniele Pinto; ARTMANN, Elizabeth. Acurácia do Método de Relacionamento Probabilístico de Base de Dados em Saúde: Revisão Sistemática de Literatura. Revista de Saúde Pública (USP. Impresso), v. 43, 2009.

SOUZA, Eduardo Nunes de. Considerações sobre a aplicação da teoria da perda de uma chance na responsabilidade civil do médico. Pensar (UNIFOR), v. 20, 2015.

SPEAKER, Paul. The applications of the loss of a chance doctrine in class actions. Review of Litigation, Spring, 2002.

STOCCO, Ruy. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.




DOI: http://dx.doi.org/10.26668/revistajur.2316-753X.v4i71.3548

Apontamentos

  • Não há apontamentos.




Revista Jurídica e-ISSN: 2316-753X

Rua Chile, 1678, Rebouças, Curitiba/PR (Brasil). CEP 80.220-181

Licença Creative Commons

Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.