“UMA QUESTÃO DE ESCOLHA"– POR UMA GOVERNANÇA DE IA MULTICAMADAS, PARTICIPATIVA E INCLUSIVA
Resumo
Este artigo propõe uma análise crítica, interdisciplinar e propositiva sobre a temática da governança de IA, a qual, apesar de não haver uniformidade entre os autores sobre o conceito, entendemos deverá ser compreendida de forma ampla, não se resumindo a propostas regulatórias, já que esta parte seria apenas uma das camadas necessárias em uma proposta de governança multicamadas, participativa, inclusiva e democrática. O problema de pesquisa que o artigo busca apontar é que os modelos dominantes de governança da inteligência artificial (IA) reproduzem injustiças epistêmicas, extrativismo de dados em bases coloniais e externalidades ambientais, reforçando assimetrias de poder e enfraquecendo estruturas democráticas — especialmente no Sul Global. Diante de tal problemática temos que pesar de forma autóctone em propostas especificas para o Brasil, levando-se em conta as epistemologias do Sul, o contexto sócio-cultural específico.
Objetivos: O artigo visa apontar o estado da arte acerca da temática e ainda identificar lacunas nas propostas atuais e sugerir caminhos para uma governança algorítmica democratizante, inclusiva, participativa e multicamadas. Ainda como objetivo principal destaca-se a elaboração de uma proposta não apenas teórica, mas com marcos concretos para um modelo alternativo de governança capaz de enfrentar os desafios epistêmicos, sociais e ecológicos da era algorítmica. Isso implica pluralizar epistemologias, democratizar processos institucionais e recentrar a responsabilidade planetária.
Metodologia: A pesquisa adota uma abordagem qualitativa, interdisciplinar e crítica, com base em revisão bibliográfica aprofundada, análise documental de tratados e relatórios internacionais, e articulação entre teoria política, filosofia do direito, ética da tecnologia e epistemologias do Sul. São mobilizadas obras de autores contemporâneos e documentos de referência como os relatórios da UNESCO, OCDE, do Conselho da Europa sobre IA, e do Advisory Bord on AI da ONU. Trata-se de uma pesquisa qualitativa fundamentada em teoria crítica, análise jurídica, ética digital, estética e estudos decoloniais. A pesquisa é estruturada a partir de comparações de estudos de caso, análise narrativa e síntese conceitual com base na filosofia, no direito da tecnologia e na teoria política.
Resultados: O artigo dialoga com pensadores como Heidegger, Corbin, Ruha Benjamin e Zuboff, e se inspira em iniciativas como Data for Black Lives, Just Data Lab e Our Data Bodies, que exemplificam formas de resistência algorítmica ascendentes e justiça de dados em ação. A pesquisa conclui que os modelos tecnocráticos atuais falham ao não abordar preocupações fundamentais de justiça. AcordAI surge como um contra-modelo, fundamentado em linguagem poética e crítica tecnopolítica. A proposta se estrutura em três eixos principais:
- · Epistemologias Plurais: Integração de epistemologias indígenas, afro-diaspóricas e feministas à lógica algorítmica.
- · Reengenharia Institucional: Garantia de transparência, supervisão humana e direito à contestação de decisões automatizadas.
- · Responsabilidade Planetária: Ênfase nos limites ecológicos e nas perspectivas decoloniais.
Contribuições: O artigo contribui para o campo da teoria democrática e da crítica institucional ao propor um modelo alternativo de governança para a IA, centrado na pluralidade, na deliberação inclusiva, na soberania informacional e na justiça algorítmica. Traz uma proposta de uma teoria democrática para a era algorítmica com base na justiça como co-criação, conjugando-se as palavras “poeticAI” com “acordAI”, no sentido ainda de devir, porvir, imaginando-se novas possibilidades para uma melhor distribuição dos benefícios da IA, de forma mais equitativa e democrática, e mitigação dos riscos, ao invés de socialização destes. Oferece, assim, fundamentos teóricos e normativos para a formulação de políticas públicas e práticas jurídicas capazes de enfrentar os desafios da era algorítmica. Traz ainda uma recomendação executiva para a formulação de políticas públicas e propostas regulatórias no âmbito da governança de IA. Trata-se de um modelo de governança descentralizado, participativo e inclusivo — unindo esforços acadêmicos e comunitários para construir uma teoria democrática da IA voltada ao Sul Global e além. Defende-se a transformação da prática democrática em uma insurgência estético-política capaz de resgatar a imaginação, a agência e a justiça na era digital.
Palavras-chave
Texto completo:
PDFReferências
ACEMOGLU, Daron; JOHNSON, Simon. Power and progress: our thousand-year struggle over technology and prosperity. New York: PublicAffairs, 2023.
AIZENBERG, Evgeni; VAN DEN HOVEN, Jeroen. Designing for human rights in AI. Big Data & Society. Disponível em: https://arxiv.org/abs/2005.04949. ALLEN, Danielle.Justice by means of democracy. Chicago: University of Chicago Press, 2023.
ALMEIDA, Virgílio; DONEDA, Danilo; GASSER, Urs. A layered model for AI governance. IEEE Internet Computing, v. 21, n. 6, p. 58–62, 2017.
ALMEIDA, Virgílio; MENDONÇA, Ricardo Fabrino; FILGUEIRAS, Fernando. Algorithmic institutionalism: the changing rules of social and political life. Oxford: Oxford University Press, 2014.
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive regulation: transcending the deregulation debate. Oxford: Oxford University Press, 1992. Disponível em: http://johnbraithwaite.com/wp-content/uploads/2016/06/Responsive- Regulation-Transce.pdf.
BAROCAS, Solon; HOOD, Sophie; ZIEWITZ, Malte. Governing algorithms: a provocation piece. Paper preparado para a Governing Algorithms Conference, p. 1-12, 2013. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2245322.
BENJAMIN, Ruha. Race after technology: abolitionist tools for the new Jim Code. Cambridge: Polity Press, 2019.
BERMAN, Paul Schiff. Cyberspace and the state action debate: the cultural value of applying constitutional norms to “private” regulation. University of Colorado Law Review, v. 71, p. 1263–1310, 2005. Disponível em: https://scholarship.law.gwu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1083&context=f aculty_publications.
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS.A difícil democracia: reinventar as esquerdas. São Paulo: Boitempo, 2021.
BRUNO, Fernanda (Coord.).Tecnopolíticas da vigilância: perspectivas da margem. São Paulo: Boitempo, 2018.
BURRELL, Jenna. How the machine ‘thinks’: understanding opacity in machine learning algorithms. Big Data & Society, 2016. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/2053951715622512.
CAMPBELL-VERDUYN, Malcolm; GOGUEN, Miles; PORTER, Tony. Big data and algorithmic governance: the case of financial practices. New Political em: https://www.researchgate.net/publication/306034022.
CANTARINI, Paola; GUERRA FILHO, Willis S. Teoria inclusiva dos direitos fundamentais e direito digital. São Paulo: Clube de Autores, 2020.
CANTARINI, Paola. Artificial Intelligence: regulatory challenges and riskification. *Revista Jurídica Unicuritiba*, v. 5, n. 67, p. 136–149, 2021. Disponível em: [http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/view/5626/pdf](http://re vista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/view/5626/pdf).
CANTARINI, Paola. Biopolítica digital e novas formas de racismo em tempos de crise autoimunitária. *Public Interest Journal*, Belo Horizonte, v. 22, n. 122, p. 45–65, 2020. Disponível em: [https://dspace.almg.gov.br/handle/11037/38536](https://dspace.almg.gov.br/ha ndle/11037/38536).
CANTARINI, Paola. Governança de algoritmos de IA – uma abordagem das epistemologias do Sul. *Unicuritiba Journal*, v. 5, n. 72, p. 393–423, 2022. Disponível em: [http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/view/6286](http://revist a.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/view/6286).
CANTARINI, Paola. IA, direitos fundamentais por design e Estado Democrático de Direito desde a concepção. *Revista Jurídica Unicuritiba*, v. 4, n. 76, p. 22– 45, 2023. Disponível em: [https://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/view/6681](https://revi sta.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/view/6681).
CHEHOUDI, Rafaa. Artificial intelligence and democracy: pathway to progress or decline. Journal of Information Technology & Politics, 2025.
CHOMSKY, Noam. Surviving the 21st century. New York: Penguin Books, 2021.
CHUL HAN, Byung. A sociedade da transparência. Petrópolis: Vozes, 2017.
CIHON, Peter. Standards for AI governance: international standards to enable global coordination in AI research & development. Oxford: Future of Humanity Institute, 2019.
CIHON, Peter; MAAS, Matthijs M.; KEMP, Luke. Should artificial intelligence governance be centralised? Design lessons from history. In: Proceedings of the AAAI/ACM Conference on AI, Ethics, and Society (AIES), New York, 2020.
COECKELBERGH, Mark. Why AI undermines democracy and what to do about it. Cambridge: Polity Press, 2024.
COUNCIL OF EUROPE.Framework convention on AI and human rights. Strasbourg, 2024.
CRAWFORD, Kate. Atlas of AI: power, politics, and the planetary costs of artificial intelligence. New Haven: Yale University Press, 2021.
DAFOE, Allan. AI governance: a research agenda. Oxford: Future of Humanity Institute, 2018.
DAFOE, Allan. AI governance: opportunity and theory of impact. 2020. Disponível em: https://www.allandafoe.com/opportunity.
DATA & SOCIETY. Algorithmic accountability: a primer. New York, 2018. Disponível em: https://datasociety.net/wp- content/uploads/2018/04/Data_Society_Algorithmic_Accountability_Primer_FIN AL-4.pdf.
DONEDA, Danilo; ALMEIDA, Virgílio. What is algorithm governance? IEEE Internet Computing, v. 20, n. 4, p. 60–63, 2016.
EUBANKS, Virginia. Automating inequality: how high-tech tools profile, police, and punish the poor. New York: St. Martin’s Press, 2018.
FLORIDI, Luciano. The ethics of information. Oxford: Oxford University Press, 2013.
FLORIDI, Luciano. The fourth revolution: how the infosphere is reshaping human reality. Oxford: Oxford University Press, 2014.
FLORIDI, Luciano. The onlife manifesto: being human in a hyperconnected era. Cham: Springer, 2015.
GASSER, Urs; ALMEIDA, Virgílio. A layered model for AI governance. *IEEE Internet Computing*, v. 21, n. 6, p. 58–62, 2017.
GOOGLE. Perspectives on issues in AI governance. Disponível em: [https://ai.google/static/documents/perspectives-on-issues-in-ai- governance.pdf](https://ai.google/static/documents/perspectives-on-issues-in-ai- governance.pdf).
HOFFMANN-RIEM, Wolfgang. *Teoria geral do direito digital*. Rio de Janeiro: Forense, 2022.
HOOD, Christopher; HOTHSTEIN, Henry; BALDWIN, Robert. *Government of risk: understanding risk regulation regimes*. Oxford: Oxford University Press, 2001.
HUÉRFANO, Eliana Herrera; CABALLERO, Francisco Sierra; ROJAS, Carlos Del Valle. Hacia una epistemología del Sur: decolonialidad del saber-poder informativo. Disponível em: [https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=5792037](https://dialnet.unirioj a.es/servlet/articulo?codigo=5792037).
KALPOKAS, Ignas. *Algorithmic governance: politics and law in the post-human era*. London: Palgrave Pivot, 2019.
KROLL, Joshua. Accountable algorithms. 2015. Disponível em: [https://www.jkroll.com/papers/dissertation.pdf](https://www.jkroll.com/papers/di ssertation.pdf).
LOTINGER, Sylvère; VIRILIO, Paul. *The accident of art*. New York: Semiotext(e), 2005.
MOROZOV, Evgeny. *Silicon Valley: i signori del silicio*. Milano: Codice Edizioni, 2019.
Apontamentos
- Não há apontamentos.
Administração de Empresas em Revista, e-ISSN: 2316-7548
Rua Chile, 1678, Rebouças, Curitiba/PR (Brasil). CEP 80.220-181