A PERMISSÃO PARA NEGOCIAR CARBONO EM FLORESTAS PÚBLICAS E A INTERFACE ENTRE O SETOR FLORESTAL E A AGENDA SOCIOAMBIENTAL: UMA ANÁLISE DO ART. 16 DA MEDIDA PROVISÓRIA 1.151/2022

RONALDO PEREIRA SANTOS

Resumo


OBJETIVO DO TRABALHO 

 

Este artigo objetivou analisar de forma exploratória os principais e esperados impactos sociais e ambientais sobre o setor florestal, a partir da regulação dos instrumentos criados na Medida Provisória 1.151 de 26 de Dezembro de 2022 que permite a negociação de créditos de carbono em florestas públicas.  

  

METODOLOGIA UTILIZADA 

 

Utilizou-se a pesquisa qualitativa como referencial metodológico, por meio descritivo e analítico de dados da literatura e pela comparação da legislação e/ou outras normas pertinentes à temática ligada ao setor florestal. Foram efetuadas análises dos dispositivos legais que tratam da concessão florestal, do mercado de carbono e do papel social ligado às populações tradicionais na Amazônia. O estudo analisou a  Medida Provisória nº 1.151/2022 e marginalmente a Lei nº 12.187/2009. 

 

REVISÃO DE LITERATURA 

 

A legislação ambiental brasileira possui um robusto conjunto de atos normativos que tentam conciliar a proteção de suas florestas naturais com o seu uso sustentado. Para o setor florestal destacam-se a norma da criação de espaços protegidos (Lei 9.985/2000), as Políticas de concessão florestal nascida na Lei 11.248/20 (SANTOS, 2019), a interface do manejo florestal com a agenda da sustentabilidade (VIANA, 2002), os mecanismos de comando e controle florestal (DA SILVA, 2020) e os diversos mecanismos legais surgidos após a aprovação do atual código florestal em 2012 (MARINGA; RUSCHEINSKY, 2017).     

Com efeito, do ponto de vista do arcabouço normativo, tendo em vista as florestas brasileiras estarem em sua esmagadora maioria em terras públicas, o  acesso e uso equilibrado aos ativos econômicos oriundo das florestas tem como principal pilar o foco na agenda ambiental e econômica, sendo a sua principal forma de acesso o instrumento da concessão florestal.  

Este modelo normativo que criou aquele ambiente regulatório para o uso privado das floresta pública funda-se na clássica tripartição dos objetivos do desenvolvimento sustentável e do uso equitativo das biodiversidade prevista na Convenção da Diversidade da Biodiversidade - CDB: a harmonia do econômico - ambiental - social. Para isso, A Lei Federal (11.248/2006) criou os princípios da proteção dos ecossistemas, o uso eficiente e racional das florestas e o respeito ao direito da população e comunidades locais. 

Apesar da vanguarda da Lei 11.248/2006, a mesma não possuía regulação de um produto que cresceu vertiginosamente no mercado florestal: os denominados créditos de carbono florestas: Lei não somente não previa tal mecanismo, como o proibia expressamente em seu artigo 16 (BRASIL, 2006). 

O quadro mudou com o avançar das discussões climáticas. Com as evidências cada vez mais convincentes do papel das emissões de gases estufa para o desequilíbrio ambiental do planeta surgiram no início dos anos 2000 as primeiras propostas (SANTILLI et al, 2000), e em  2007 aprovada na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima definiram (COP-19).  

Embora já houvesse projetos de carbono florestal privados em andamento (SALLES et al, 2017), havia uma demora no ambiente normativo doméstico para regular efetivamente o mercado de carbono florestal. A Exposição de Motivos da Medida Provisória 1.151/2022 já previa que "(…) é necessário prever mecanismos para o desenvolvimento e comercialização de créditos de carbono"  (BRASIL, 2022, p. 2).  

A revisão do art. 16 pela MP passou a admitir, nas áreas de domínio público, a possibilidade de se negociar um crédito baseado no ativo florestal no ambiente das concessões emitidas pelo Poder Público (BRASIL, 2022 b). 

Uma discussão ainda pendente é o papel, os direitos e expetativas das populações tradicionais num contexto de concessão florestal com ou sem carbono) - sobretudo na Amazônia onde são presumidamente mais presentes. É que um dos pilares dos projetos internacionais que apoiam financeiramente iniciativas envolvendo carbono florestal é o dos benefícios e proteção das populações envolvidas no entorno do projeto.  

Apesar disso, não há dados a respeito dos efeitos que a alteração na lei poderá trazer para estes atores locais, como se vê no silêncio da própria Exposição de Motivos que levou em conta somente aspectos do mercado e das empresas florestais - que embora importantes, não são os únicos que tem papel na dinâmica envolvendo o manejo das florestas públicas.  

Há tempos tem sido documentado diversos desafios e problemas, com destaque sobretudo a conflitos fundiários e aumento da violência, em alguns casos (BRASIL, 2008). Não se sabe, a rigor, qual seria o efeito de projetos com somas vultosas de recursos nestas relações -  tanto dentro quanto entre as comunidades e os demais agentes receptores das concessões (as empresas florestais). 

 

RESULTADOS ESPERADOS 

 

O ordenamento já previa o mercado de carbono como mecanismo de combate aos efeitos do clima na Lei 12.187/2009, mas ainda de forma tímida quanto ao uso das floresta. A alteração do artigo 16 da Lei de concessão florestal surgiu como novidade e tende a alterar dois cenários das florestas públicas brasileiras: um econômico e outro socioambiental.  

No primeiro caso, a norma tende a aumentar o interesse das empresas do setor florestal em manejar as florestas postas em concessão, uma vez que não somente a madeira será o produto final a ser potencialmente comercializado mas também o próprio crédito de carbono. 

É necessário rememorar que o produto madeira manejada requer um contexto complexo de técnicas, expertise  e um volume relevante de trabalho de campo, o que requer expertise e capital para investimento inicial nas concessões. O produto “carbono" também requer técnicas adequadas para elaboração de projetos, porém se não há necessidade de trabalhos de campo - se nao aqueles inerentes à proteção florestal como uma das contrapartidas - naturalmente há uma redução da complexidade.  

No caso dos efeitos socioambientais há duas dimensões possíveis. Não é exagero pensar que pode haver redução esperada em proposição de se manejar madeira e focar no produto “carbono, resultando, como efeito cascata, no resultado de maior florestas protegidas (ainda que o manejo florestal seja de menor impacto há alguma perturbação nas florestas).  

A segunda dimensão é a social. Neste cenário é, imperioso destacar que grande parte das glebas públicas que serão postas para concessão são na Amazônia onde há grandes populações de ribeirinhos que habitam tais terras - informações mais robustas nos casos de Unidades de Conservação de Uso Sustentável onde estes grupos são permitidos morarem.  Há pouca pesquisa sobre as relações entre estes povos e empresas de concessão mesmo antes quando se tinha apenas o produto madeireiro.  

Os projetos de carbono que emergirão das concessões florestais futuras, garantidas na MP, deverão obrigatoriamente incluir o cenário social ainda mais em suas propostas: é que a dimensão social destes projetos tem peso igual àquele pilar da proteção florestal. Significa, portanto, que é natural que haja um olhar maior para o que pensam, querem e desejam tais populações no momento em que houver um edital a ser acessado pelas empresas florestais.  

Ademais, estas áreas são conhecidamente onde ocorrem conflitos internos e externos, ou seja: há situações que envolvem interrelações entre grupos dentro destas Unidades de Conservação, reconhecido por Ribeiro (2013, p. 16). Assim, a rigor, será esta dinâmica social em projetos que envolvam quantias maiores de recursos financeiros a irrigar as concessões, um definidor de critério para  aprovação - no âmbito do órgão regulador do governo - da viabilidade de tais projetos.  

É verdade que a própria Lei já prevê a participação destes grupos para serem ouvidos e garantidas o acesso aos aos benefícios decorrentes de seu uso e conservação da floresta envolvida.  Mas parece ser o caso de se ter um olhar diferenciado: os editais que surgirão a partir da possibilidade de se incluir carbono na contabilidade da exploração deverá incluir - como estratégia de sucesso - aumentar a participação destas populações no processo de consulta, sobretudo porque é um dos requisitos da própria norma (artigo 26) e do próprio setor que tem financiado tais projetos no âmbito internacional.  

 

CONCLUSÕES 

 

A reforma da Lei de concessão, a partir da Medida Provisória 1.151 de 26 de Dezembro de 2022 causará o efeito de maior interesse do setor florestal empresarial em acessar editais para manejo de florestas públicas. Espera-se maior proteção das florestas pois os projetos de “carbono"em tese dependem de se garantir o controle do desmatamento de forma rigorosa.  

Tanto por ser uma exigência da Lei quanto dos agentes internacionais que investem em projetos de carbono, os editais deverão se adequar para garantir a participação ainda mais intensa no processo de consulta das populações eventualmente envolvidas nas áreas de concessão, significando, também, que as empresas do setor deverão investir ainda mais em expertise e pessoal que lida com questões sociais destas populações.  


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Referências


BRASIL. Exposição de Motivos da Medida Provisória 1.151. 2022.

_______ b. Medida Provisória 1.151 de 26 de Dezembro de 2022. Brasilia-DF. 2022.

DA SILVA, DM. Análise de políticas públicas referentes ao manejo florestal sustentável e seus enfrentamentos para um mercado mais eficiente. Braz. J. of Bus., Curitiba, v. 3, n. 1, p. 650-659 jan. /mar. 2021.

MARIGA JT; RUSCHEINSKY, A. Políticas públicas decorrentes da mudança no Código Florestal. p. 83–96, 2017.

SALLES, GP; SALINAS, DTP; PAULINO, SR;. Execução de Projetos de REDD+ no Brasil Por Meio de Diferentes Modalidades de Financiamento. v. 55, n. 3, p. 445–464, 2017.

RIBEIRO, J.R. Impacto da concessão florestal na geração de emprego local: caso de Itapuã do Oeste, Rondônia. Belém-PA: UFPA/PPGDSTU. 2018.

SANTOS, JM. Políticas públicas de concessão e manejo florestal: um estudo de caso comparativo entre o estado do Pará (Brasil) e New Brunswick (Canadá). 2019. 53 f. Recife, 2019.

SANTILLI, M; MOUTINHO,P; SCHWARTZMAN, S; NEPSTAD, D; CURRAN,L; NOBRE, C. Tropical deforestation and the Kyoto Protocol: an editorial essay. INPA. 2000.

VIANA, VM. As florestas brasileiras e os desafios do desenvolvimento sustentável: manejo, certificação e políticas públicas apropriadas. 2002. Tese de Doutorado. USP: Piracicaba, 2002.


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