PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO: DO DIREITO AMBIENTAL À PROTEÇÃO DE DADOS E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Resumo
OBJETIVO DO TRABALHO
O objetivo geral do presente trabalho é analisar a aplicabilidade do princípio da precaução no âmbito da proteção de dados e da inteligência artificial e seus efeitos no fenômeno do exercício de vigilância estatal. Para tanto, inicialmente será realizada uma pesquisa sobre o conceito do princípio da precaução, sua previsão no direito positivo brasileiro e seus potenciais competências, bem como, em segundo momento, das atuais ferramentas da inteligência artificial e seus impactos sobre os dados dos cidadãos e seus direitos à intimidade e privacidade. Por fim, após compreensão dos conceitos e fenômenos, se pretende investigar a Lei Geral de Proteção de Dados pode proporcionar a aplicação do princípio da precaução como parte da teia regulatória da inteligência artificial e suas tecnologias.
METODOLOGIA UTILIZADA
No que diz respeito à estratégia metodológica escolhida, será realizada pesquisa através do método teórico-bibliográfico, analisando doutrina constante em livros, artigos e publicações jurídicas. Serão visitados também os textos legais que versem sobre o tema.
Para tanto, será utilizado o método dedutivo-dialético, tomando como pressuposto a existência do princípio da precaução como princípio geral de direito, para, a partir de então, pormenorizar sua incidência como garantia contra os riscos potenciais da aplicação da inteligência artificial na vigilância dos cidadãos.
REVISÃO DE LITERATURA
O princípio da precaução se constitui no principal orientador das políticas ambientais, além de ser o princípio estruturante do Direito Ambiental. No direito positivo brasileiro, o princípio da precaução encontra correspondência na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, mais especificadamente em seu artigo 4º, incisos I e IV, bem como na Constituição Federal, que também o incorporou em seu artigo 225, §1º, inciso IV. Por definição da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em junho de 1992, “o Princípio da Precaução é a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados. Este Princípio afirma que a ausência da certeza científica formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prever este dano.” (CNUMAD, 1992).
De acordo com a professora Cristiane Derani, “este princípio é a tradução da busca da proteção da existência humana, seja pela proteção de seu ambiente como pelo asseguramento da integridade da vida humana. A partir desta premissa, deve-se também considerar não só o risco eminente de uma determinada atividade, como também os riscos futuros decorrentes de empreendimentos humanos, os quais nossa compreensão e o atual estágio de desenvolvimento da ciência jamais conseguem captar em toda densidade.” (DERANI, 1997, p. 167). A respeito de sua abrangência, é certo dizer que não expressa por uma fórmula única. Não seria benéfico para o Direito e para a sociedade estabelecer limites rígidos para a aplicação do princípio, uma vez que a necessidade se de viabilizar um desenvolvimento social legal e democrático, que guarde as gerações presentes e não prejudicar as gerações futuras, irá gradativamente indicando o campo adequado do princípio da precaução. Como predito, embora o princípio em tela seja corolário do Direito Ambiental, em virtude seu conceito e características, há que ressaltar a possibilidade da extensão se seus efeitos, especialmente diante de problemáticas tão relevantes nos dias atuais que guardam relação com a proteção da existência humana em muitos de seus aspectos. É cediço que as decisões automatizadas estão cada vez mais presentes no dia-a-dia dos cidadãos. Elas compreendem uma das técnicas de Inteligência Artificial (IA), que, em geral, procuram identificar padrões a partir da análise de dados por meio de uma lógica matemática (algoritmo) e aprendizado de máquina (machine learning). (BIONI; LUCIANO, 2019). Em uma sociedade que reconheceu os direitos de intimidade e privacidade como categorias de direitos humanos e direitos de personalidade, como conciliar o uso de tecnologias bastante invasivas – como o reconhecimento facial, por exemplo -, no exercício do poder investigativo e de vigilância estatal? Convém destacar que o reconhecimento facial parece ser o estopim de uma demanda regulatória a respeito de inteligência artificial, especialmente diante da possibilidade de altos índices de reconhecimentos falso positivos e, principalmente, diante da possibilidade de práticas discriminatórias a partir do seu emprego para fins de policiamento preditivo. Desse modo, a invocação do princípio da precaução parece cabível como parte da teia regulatória. Édis Milaré expediu análise esclarecedora sobre o sentido e a finalidade dessa fundamental diretriz que rege e informa o Direito Ambiental: “a invocação do princípio da precaução é uma decisão exercida quando a informação científica é insuficiente, não conclusiva ou incerta e haja indicações de que os possíveis efeitos sobre o ambiente, a saúde das pessoas ou dos animais ou a proteção vegetal possam ser potencialmente perigosos e incompatíveis com o nível de proteção escolhido.” (MILARÉ, 2007). Há que se reparar em um viés da Inteligência Artificial como uma ferramenta do Estado que promove uma coleta massiva e indiscriminada de dados das pessoas e a possibilidade de uso desses dados como ferramentas de controle social.
O princípio da precaução deve ser aplicado diante da avaliação de risco, entendendo o risco como a eventualidade de sofrer um dano. Considerando que os algoritmos não são isentos de subjetividade, erro ou manipulação, se percebe que os amplos avanços da Inteligência Artificial no que diz respeito a coleta de dados pessoais, em especial os dados biométricos, como no caso do reconhecimento facial, podem, de fato, serem incompatíveis com a proteção almejada pela Lei Geral de Dados brasileira.
A falta de regulação, as estruturas de governança insuficientes dentro de empresas de tecnologia, as assimetrias de poder entre empresas e usuários, entre outras questões, têm resultado em demandas sociais por maior transparência no uso da Inteligência Artificial. Entretanto, falar apenas sobre transparência não abarca totalmente a problemática. É importante discutir os limites da vigilância estatal em face dos direitos individuais dos cidadãos. Se faz necessário analisar seus contornos e limitações, especialmente à luz do princípio da precaução como instituto de proteção.
Em suma, tais questões se revelam como ferramentas à aplicação concreta do princípio aquém de seu âmago de origem (Direito Ambiental), abrindo as portas para a incidência nos reflexos da Inteligência Artificial e proteção de dados. O princípio da precaução fornece um substrato importante para se pensar medidas e estratégias de regulação de Inteligência Artificial, notadamente como lidar com situações de riscos de danos ou de desconhecimento dos potenciais malefícios e benefícios desse tipo de tecnologia.
RESULTADOS OBTIDOS OU ESPERADOS
O resultado esperado é o de que seja verificada a incidência do princípio da precaução não só no Direito Ambiental, mas sim a possibilidade de extensão de seus efeitos no âmbito dos direitos fundamentais à intimidade e privacidade dos cidadãos, especialmente no que se refere à proteção de dados biométricos prevista na Lei Geral de Proteção de Dados, bem como ressaltar a importância dos limites da vigilância estatal com o uso da inteligência artificial.
TÓPICOS CONCLUSIVOS
Conclui-se pela latente necessidade de aplicação da precaução diante do fenômeno da coleta indiscriminada de dados pessoais diante da vigilância que a Inteligência Artificial proporciona.
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PDFReferências
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. A gestão ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. 5. ed. ref, atual. e ampl., São Paulo: Editora RT, 2007.
BIONI, Bruno Ricardo. LUCIANO, Maria. O princípio da precaução na regulação de inteligência artificial: seriam as leis de proteção de dados o seu portal de entrada? In: FRAZÃO, Ana; MULHOLLAND, Caitlin (Org.). Inteligência artificial e direito: ética, regulação e responsabilidade. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 18. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997.
SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais. Ano 91. v. 798, abr. 2002. P. 23-50
DOI: http://dx.doi.org/10.21902/RevPercurso.2316-7521.v1i39.5429
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PERCURSO, e-ISSN: 2316-7521
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