COMPLIANCE CONCORRENCIAL: ILAÇÕES PARA UMA CONFORMIDADE EMPRESARIAL A PARTIR DA OPERAÇÃO CHAMA AZUL

MÁRCIA ASSUMPÇÃO LIMA MOMM, RAFAEL ASSUMPÇÃO MOMM

Resumo


Em busca de atuar de forma responsável e sustentável e prosperar na sua área de atuação, empresas devem zelar por melhores práticas, considerando os ambientes legal, regulatório e voluntário, além de promover constante aprimoramento alinhado à estrutura organizacional e às boas práticas de governança corporativa e de compliance adotadas em âmbito nacional e internacional. 

Na história do capitalismo mundial, para se estruturar no mercado, ter vantagem competitiva e alcançar objetivos (lucro, fortalecimento e desenvolvimento) no âmbito interno e externo, empresas se utilizam de múltiplas formas de organização, formando alianças estratégicas, parcerias, intercâmbio de conhecimento e tecnologias com outras empresas, entre outras, como processos de fusão e aquisição (CHESNAIS, 1996).  

Destarte, estratégias corporativas de prática coordenada ou acordo entre empresas concorrentes para combinação de preços ou de outras condições de mercado – restrição de produção, divisão de clientes, local de atuação etc. –, tem efeitos deletérios na economia, repercutindo diretamente no consumidor, em razão de resultar em oferta de produtos e serviços de baixa qualidade, preços elevados e pouca inovação (MARTINEZ, 2013). 

Essas condutas podem caracterizar formação de cartel, tipificado na Lei Antitruste como infração à ordem econômica, violando princípios constitucionais da livre concorrência, da função social da empresa e da defesa do consumidor. 

Neste contexto, o escopo desta pesquisa é analisar em que medida os instrumentos do compliance concorrencial, a partir da Operação Chama Azul, que deu origem ao Processo Administrativo n. 08700.003067/2009-67, é capaz de mitigar condutas anticompetitivas, como a prática de cartel no setor de distribuição e revenda de gás liquefeito de petróleo (GLP) na região Nordeste do Brasil. 

A metodologia da pesquisa é hipotético-dedutiva, com base empírica, pesquisa bibliográfica e análise jurisprudencial, objetivando examinar os instrumentos do compliance, para mitigar riscos de inconformidade concorrencial e promover uma verdadeira cultura de ética empresarial para o desenvolvimento de um mercado equilibrado, sem abuso do poder econômico. 

Em rápido bosquejo, no ano de 2010 a Polícia Federal deflagrou uma operação, denominada “Chama Azul”, em conjunto com a Secretaria de Direito Econômico e outros órgãos, para desmantelar conduta de cartel de empresas distribuidoras e revendedoras de GLP no Nordeste. 

Da operação, instaurou-se o Processo Administrativo n. 08700.003067/2009-67, julgado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em agosto de 2022, condenando diversas empresas e pessoas físicas do setor ao pagamento de multa total combinada superior a R$ 640 milhões, pela prática de infração à ordem econômica, ante a ocorrência de formação de cartel. 

No caso, as grandes empresas do setor de GLP (Nacional Gás, Liquigás, Ultragaz, Copagaz e SHV/Supergasbras), adotaram a prática de fixar os preços de distribuição e revenda dos botijões de gás na região Nordeste, além de outras condutas ilícitas, de dividir fatias de mercado entre si, de recusar-se a atender clientes alocados para outras empresas e de retaliar aqueles que compravam de mais de uma distribuidora. 

Da mesma forma, um grupo de revendedores no estado da Paraíba influenciava a prática da conduta comercial uniforme, impedindo promoções, assim como se utilizava da sua influência e representatividade para fixar os preços de revenda para pequenos revendedores e o consumidor final. Ainda, possuíam esquemas de monitoramento e punição para manter o funcionamento do cartel. 

Diversamente da Nacional Gás, os demais líderes do setor de GLP firmaram junto ao Cade, cada qual, termo de compromisso de cessação (TCC), admitindo participação na formação de Cartel, pactuando compromisso de se absterem de praticar condutas lesivas e de pagamento de prestação pecuniária para reparação à sociedade. 

Para mitigar riscos de não conformidade e prevenir práticas ilícitas, empresas podem implantar um verdadeiro programa de compliance e adotar diversas medidas para sua efetividade, a fim de permitir a identificação antecipada de violações às normas mais rapidamente, favorecendo pronta resposta pela organização, agilidade em firmar acordos com as autoridades, além de possibilitar um melhor alinhamento de condutas entre os parceiros e evitar responsabilizações futuras (MOMM, 2022). 

O primeiro passo e o mais importante é o comprometimento da alta administração da empresa com a ética e a integridade, além de delinear as condutas que podem ou não podem ser praticadas na condução dos negócios, observados os riscos que a empresa está exposta. 

Isto posto, para que se identifiquem quais providências devem ser aplicadas no caso concreto, faz-se mister a realização de análise de riscos empresariais, a fim de “identificar os riscos de Compliance aos quais a empresa está exposta, quais os fatores de risco existentes, qual o impacto potencial na organização e a probabilidade de materialização” (LEC, 2021). 

Na metodologia COSO (2007), por exemplo, avaliam-se os eventos com base em duas perspectivas – probabilidade e impacto – e, combinando métodos qualitativos e quantitativos. Analisam-se ainda os impactos positivos e negativos dos eventos em potencial, isoladamente ou por categoria, de toda a empresa. 

O principal risco da atividade de distribuição e revenda de GLP é o de fixação de preços; ou seja, cartel. Isso porque, em suma, os produtos comercializados, em especial o botijão de gás de 13 kg, apresentam pouca diferenciação entre os concorrentes, além da demanda ser contínua e uniforme, razão pela qual basta a estes definirem uma única variável para ultimar o ilícito: o preço. 

Trata-se, como visto no caso concreto, de risco com consequências extremas, tendo em vista que as multas aplicáveis para as empresas que praticam tais condutas ultrapassam a casa das centenas de milhões de reais. Além disso, por se tratar de mercado extremamente concentrado, as possibilidades dessa prática se concretizar são maiores do que para setores mais pulverizados. 

Não se desconhece, ademais, que a atividade empresarial relacionada ao GLP possui outros tipos de riscos intrínsecos, sobretudo trabalhistas, em razão do manuseio e armazenamento dos recipientes em que são comercializados os produtos, no entanto, o escopo da pesquisa limitar-se-á à seara antitruste. 

A identificação antecipada dos riscos, por meio do monitoramento constante, outro instrumento do programa de compliance, possibilita à empresa uma resposta mais célere na ocorrência de uma prática ilegal, além de fomentar a criação ou revisão de procedimentos com o intuído de prevenir novas práticas anticompetitivas. 

Esses procedimentos permitem ao identificar o ilícito, quando não puder evitá-lo, buscar junto ao Cade um acordo de leniência, nos termos da Lei Antitruste, a fim de cessar o processo, mitigando os impactos adversos, principalmente reputacionais, sem afastar, no entanto, certas penalidades a serem aplicadas pelo órgão regulador. 

Visto que o acordo de leniência somente pode ser realizado junto ao primeiro agente infrator a reportar a conduta anticoncorrencial ao Cade; demais agentes econômicos investigados podem tentar celebrar TCC, a fim de obter benefícios na seara administrativa (BRASIL, 2017). 

A celebração de acordo de leniência produz efeitos positivos para além da esfera administrativa, gerando benefícios penais ao seu celebrante, com a suspensão do prazo prescricional e o impedimento do oferecimento da denúncia e, após seu cumprimento, com a extinção da punibilidade dos referidos crimes. 

No caso objeto da pesquisa, quatro empresas diferentes firmaram TCC com o Cade, evitando, com essa medida, imposição de sanções financeiras mais gravosas, bem como, de um processo administrativo longo e custoso. 

A conquista legítima de poder econômico carece ser resultado da capacidade das empresas, por meio de condutas objetivas nos respectivos mercados, mediante atos de vontade e influência nos comportamentos alheios, em respeito às regras e aos preceitos de nosso ordenamento jurídico (GUARAGNI; KOBUS, 2017). 

Destarte, assentado na operação Chama Azul, para um programa de compliance sério e robusto, a alta administração deve implantar políticas e procedimentos adequados para mitigar riscos de condutas anticompetitivas, disseminando a cultura da ética da conformidade à Lei Antitruste, pelo exemplo, para que colaboradores e demais partes interessadas não se envolvam em práticas corporativas que configurem infração à ordem econômica. 

Conclui-se, da pesquisa, que a implantação e a efetiva utilização dos instrumentos de um programa de compliance concorrencial, em que pese não tenham o condão de impedir totalmente a prática de ilicitudes num mercado quase oligopolizado, como o de distribuição e revenda de GLP, são capazes de mitigar riscos decorrentes da violação à Lei Antitruste e de suas consequências adversas. 


Palavras-chave


Cartel; Compliance concorrencial; Conformidade empresarial; Operação Chama Azul.

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Referências


BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Guia do programa de leniência antitruste do Cade. Brasília, 2017. Disponível em: . Disponível em: 12 mai. 2023.

BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo Administrativo n. 08700.003067/2009-67. Rel. Conselheiro Luis Henrique Bertolino Brando. Brasília, j. em 03 ago. 2022.

CHESNAIS, François. A mundialização do capital. Trad. Silvana Finzi Foá. São Paulo: Xamã, 1996.

COSO, Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Comission. Gerenciamento de riscos corporativos – estrutura integrada. 2007. Disponível em: . Acesso em 19 mai. 2023.

GUARAGNI, Fábio André; KOBUS, Renata Carvalho. O abuso do poder sob o enfoque do Direito Penal Econômico. Revista Jurídica, [S.l.], v. 2, n. 43, p. 234-259, fev. 2017. ISSN 2316-753X. Disponível em: . Acesso em: 18 mai. 2023.

LEC. Legal, Ethics & Compliance. Compliance risk assessment em 8 passos. 2021. Disponível em: . Acesso em: 19 mai. 2023.

MARTINEZ, Ana Paula. Repressão a cartéis: interface entre Direito Administrativo e Direito Penal. São Paulo: Singular, 2013.

MOMM, Márcia Assumpção Lima. A governança corporativa e o compliance em tempos de transformação social: ensaio sobre os códigos de conduta no âmbito laboral. São Paulo: Editora Dialética, 2022.


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