DESDOBRAMENTOS SUCESSÓRIOS DA PROPRIEDADE INTELECTUAL

ADRIANA MARTINS SILVA, ISABEL VENTURI

Resumo


OBJETIVOS DO TRABALHO:

 

O trabalho desenvolvido pelos autores tem por objetivo demonstrar a interligação existente entre a proteção intelectual pelo direito e o direito das sucessões, bem como desvendar eventuais celeumas e lacunas existentes entre as duas áreas do direito, a fim de tentar uma solução adequada que se harmonize com o ordenamento jurídico brasileiro como um todo.

 

METODOLOGIA UTILIZADA:

 

Identificou-se que o método aplicado à investigação na pesquisa foi o dedutivo, com abordagem qualitativa e a pesquisa se desenvolve por meio de bibliografias específicas sobre o assunto, tanto em bibliotecas físicas quanto em bibliotecas digitais, por meio da pesquisa na doutrina, leis, artigos científicos, revistas eletrônicas, jurisprudência e notícias relevantes acerca do tema.

Partindo de algumas premissas estruturadas de maneira lógica e racional, os autores chegaram a sua conclusão e contribuição à solução do problema da sucessão dos direitos da propriedade intelectual.

 

REVISÃO DE LITERATURA:

 

No campo de pesquisa da Propriedade Intelectual, encontra-se em um de seus ramos o Direito do Autor, que aborda, dentre outras vertentes, a temática técnica artística, desenvolvida pelo sentimento estético do ser humano, resultado de sua inerente e incessante necessidade de experimentar e combinar formas, linhas, cores, sons e movimentos para o alcance de sensações e emoções que transcendem a lógica.

 Diante desta conjuntura, consolida-se a necessidade da análise do Direito do Autor na esfera do Direito das Sucessões. No artigo em apreço, serão cotejadas as abordagens doutrinárias a respeito da progressão da interligação entre o Direito do Autor e o Direito das Sucessões para, por fim, averiguar possíveis futuros caminhos e consequências que poderão guiar tais campos da ciência jurídica quando em convergência entre si.

Em sua essência, o Direito Autoral é uma derivação da Propriedade Intelectual, juntamente com a Propriedade Industrial, que, por excelência, diferencia-se do Direito Autoral uma vez que para se caracterizar necessariamente requer que o objeto fruto da criação seja utilitário, é dizer, a natureza jurídica das obras da Propriedade Industrial é utilitária, enquanto a natureza do Direito Autoral não.

A doutrina do Direito Autoral destaca que este se conceitua como sendo o ramo da ciência jurídica que protege o autor e suas obras intelectuais, aquelas exteriorizadas pela criatividade humana e fixadas em suportes tangíveis ou não tangíveis. Neste contexto, o Direito Autoral cumpre um papel disruptivo no meio de um passado recente em que somente existia a possibilidade de proteção de propriedades materiais. Assim, o Direito Autoral se preocupa com a criatividade da obra, a originalidade – o que não se confunde com ineditismo – bem como com que a obra seja, de certa maneira, uma transposição da personalidade do autor.

Dentro da sistemática do Direito Autoral, o ordenamento brasileiro se vincula e se deriva do Direito Autoral Francês, em que o ramo concentra sua proteção na personalidade e dignidade do autor, por esta razão os direitos morais ganham tanta relevância no país quanto os direitos de propriedade da obra, em contraposição à sistemática anglo-saxã do Direito Autoral. No trabalho em apreço, o estudo restou direcionado a cotejar qual é a influência do Direito das Sucessões e como se dá a Sucessão patrimonial e moral dos Direitos do Autor.

Do ponto de vista intelectual, a técnica e a estética são subdivisões que podem ser elencadas para fins de classificação das criações feitas pelo ser humano.

Neste sentido, a técnica, em suma, refere-se ao esforço que dá origem à indústria e à satisfação material do homem, ao passo que a estética artística é criadora da satisfação das necessidades espirituais e transcendentais do ser humano (SILVEIRA, 2018, p. 2-3).

No entanto, as subdivisões advindas da criação técnica acima aventada são objeto de cuidado do Direito da Propriedade Industrial, que não será tratado na redação em tela, pois esta possui como finalidade a abordagem do Direito Autoral, é dizer, do aspecto da criação intelectual, de forma que gradualmente este tema será aprofundado até se chegar em seu ponto mais crucial, qual seja, a influência do direito sucessório no seu substrato. O que se frisa aqui, é a relevância de toda a estrutura da criação intelectual até se chegar ao nível de proteção dos direitos de autor que hoje permeiam o ordenamento jurídico brasileiro.

Lapidada a questão do surgimento do direito intelectual do autor, emerge a necessidade de se demonstrar os documentos legais que levaram a essa proteção até os dias de hoje, que se intitula Direito Autoral, um dos ramos da Propriedade Intelectual. O progresso do Direito Autoral ocorreu de forma paulatina, iniciando com o sentimento, durante a Idade Média Renascentista, de esplendor artístico, impulsionado pelo surgimento de figuras de grande poder criativo, como Leonardo da Vinci, e ensejando na consolidação de uma Convenção Internacional em 1886, a Convenção de Berna, que pela primeira vez regulamentou que tão somente ao autor pertence sua obra e a ele compete o direito de usá-la, autorizar seu uso e transmitir, ou não, a terceiros, concebendo e consagrando o Direito Autoral como um direito de propriedade, com a peculiaridade de ser uma propriedade de bens materiais e imateriais. (SILVEIRA, 2018, p. 10).

Por abordar assuntos que escapam da materialidade, a definição de Direito Autoral é, em certo aspecto, suis generis. Neste sentido:

 

A natureza jurídica do direito de autor comporta uma importante reflexão. O debate se polariza entre os doutrinadores que posicionam os direitos autorais na categoria dos direitos da personalidade em função da criação intelectual do autor e a corrente oposta que enfatiza a natureza real do direito de autor, os aspectos patrimoniais do mesmo e a relação com o direito de propriedade. Uma terceira posição doutrinária individualiza o direito subjetivo do autor com atributos patrimoniais e pessoais dotados de regulamentação autônoma. (PAESANI, 2015, p.9)

 

Entretanto, para fins de classificação acadêmica, pode-se considerar que o Direito de Autor é o campo legal que tem por finalidade garantir ao criador de qualquer obra um reconhecimento moral e uma participação financeira como forma de contraprestação pela transmissão, utilização e divulgação da obra que criou. (AFONSO,2009, p.10)

Neste diapasão, na esfera nacional, a Constituição Federal, com seu teor axiológico de proteção de diretos fundamentais, advindo do berço histórico acima mencionado, albergou em seu artigo 5º, inciso XXVII, que “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”. Via de consequência, sob a proteção da salvaguarda constitucional, a Lei dos Direitos Autorais, Lei n.º 9.610/1998, é o núcleo referencial regulamentador dos direitos do autor, aquele que, nos ditames do artigo 11, da referida Lei, é “a pessoa física criadora da obra literária, artística ou científica”, que será aprofundada na sequência.

O Direito Autoral protege a manifestação artística das obras intelectuais exteriorizadas por meios tangíveis ou intangíveis, ou seja, ideias que não tenham sido exteriorizadas não abrangem a proteção do Direito Autoral. A título de exemplo, quando se exterioriza a autoria de um livro, em que pese a exteriorização esteja sendo feita em um meio tangível, o que o Direito Autoral protege não são as páginas do livro em si, mas sim a manifestação intelectual contida nele.

Neste ínterim, é a partir da exteriorização da manifestação intelectual que ocorre o surgimento da obra para fins jurídicos, não necessitando no Direito Autoral de registro para sua constituição, eventual registro será considerado declaratório do Direito (COSTA NETTO, 2019, p. 149). A despeito disso, o Direito Autoral requer que exista originalidade na sua proteção, mas não requer o ineditismo, ou seja, o tema tratado na manifestação autoral não precisa ser um tema novo, apenas carece que tal tema esteja sendo tratado daquela forma como manifestação do espírito do autor (COSTA NETTO, 2019, p.160)

No que tange à natureza do Direito em apreço, emerge uma concepção dualista, desenvolvida na França, que alberga direitos morais e direitos patrimoniais em seu âmago.

Em decorrência desta concepção, consolidam-se direitos morais e direitos patrimoniais do autor também no Brasil, desnudados pela redação do artigo 22, da Lei dos Direitos Autorais, ao preconizar que “pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou.” (PAESANI, 2015, p. 14).

Por se tratar de uma criação de espírito, do intelecto humano, a obra intelectual está intrinsecamente ligada ao seu criador de forma a justificar a proteção moral autoral, que é entendida como um direito da personalidade do autor e, por esse motivo, é inalienável e irrenunciável, conforme previsão expressa da Lei, e, por entendimento doutrinário, perpétuo, imprescritível e impenhorável.

As violações aos direitos morais do autor são as que se referem à ausência de identificação, à falsa indicação de autoria na obra, à publicação de inéditos; ao direito do autor de modificar a obra antes ou depois de utilizada; às mutilações feitas à obra, como adições, subtrações ou quaisquer modificações não consentidas.

Todos os fatos geradores acima explanados ensejam reparação por perdas e danos, termos dos artigos 102,103 e 108, da Lei 9.610/1998.

Com relação à sucessão de tais direitos, esta ocorre com a morte do autor, conforme o princípio da saisine, de maneira que passam a ser de titularidade dos herdeiros e podem ser definidos, nas palavras de Paesani, como:

 

O vínculo moral existente entre o criador e a sua obra não se desfaz pela ação do tempo, por meio de negócios jurídicos ou mesmo pela vontade do próprio autor porque a obra é uma extensão da própria personalidade, emanando dessa relação diversos direitos de natureza moral, como, por exemplo, o próprio reconhecimento da autoria. Os direitos intelectuais, filiados à corrente do civil law, gozam de natureza moral e patrimonial, tendo cada um deles características próprias de sua natureza, mas originados do mesmo ato criativo. (PAESANI, 2015, p. 14).

 

O artigo 24, da Lei dos Direitos Autorais, elenca os direitos morais do autor, quais sejam: a) o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; b) o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional ligado à obra; c) o de conservar o direito de inédito (não publicar a obra); d) o direito à integridade da obra; e) o direito de modificar a obra; f) o direito de retirar a obra de circulação; g) o direito de ter acesso ao exemplar único de sua obra para fotografar e preservar a sua memória.

Dos direitos aventados em epígrafe, com a morte do autor se transferem aos sucessores os direitos morais referentes aos elencados em ‘a)’, ‘b)’, ‘c)’, e ‘d)’ acrescidos da transmissão dos direitos de reivindicação da paternidade, inclusão do nome do autor na obra e o direito de proibir a publicação e a alteração da obra, os quais passarão a ser os responsáveis pela obra como se fossem o próprio autor. Ao contrário do direito ao nome, imagem, entre outros, relacionados à personalidade, o direito moral de autor só existe se o autor criar uma obra intelectual que preencha os requisitos legais para obter a proteção. (PAESANI, 2015, p. 14).

De acordo com Costa Netto, a sucessão de tais direitos “objetiva dar efetividade à condição de perpetuidade e imprescritibilidade dos direitos morais de autor, no que concerne à tutela da integridade da obra intelectual”.

A respeito, Leonardo Estevam de Assis Zanini orienta:

 

Em caso de falecimento do autor, qualquer atuação do cônjuge ou dos parentes próximos deverá, como regra, seguir os parâmetros estabelecidos pelo de cujus. Eventuais demandas que envolvam a alteração da situação jurídica construída pelo falecido devem ser analisadas com muito cuidado, uma vez que os legitimados não são titulares do direito de paternidade, fazendo-se necessária a comprovação de sua consonância com a vontade do de cujus. Caso o autor não tenha em vida manifestado sua intenção de não divulgar a obra ou de sujeitar sua divulgação a um termo, deve-se entender que a obra pode ser divulgada, pois nessa situação, milita em favor da divulgação uma presunção, visto que os criadores, como regra, não se ocupam de uma obra para deixá-la oculta ao público. O mesmo não ocorre quando a obra é deixada incompleta, pois se houver dúvida quanto à vontade do falecido, não poderão os seus parentes próximos, muitas vezes imbuídos por interesses escusos, publicá-la, visto que, nessa situação se presume que o autor somente desejaria levar a público aqueles trabalhos devidamente concluídos. (ZANINI, 2015, p.33

 

 

RESULTADOS OBTIDOS OU ESPERADOS:

 

Das acepções relacionadas ao Direito Autoral, o texto em tela se propõe a ampliar a análise da interligação da propriedade intelectual com o direito das sucessões. No decorrer do trabalho acadêmico, verificou-se que o ramo do Direito Autoral ainda merece desenvolvimento no que diz respeito aos métodos e princípios hermenêuticos de aplicação durante a solução de casos concretos que envolvam direitos hereditários morais e patrimoniais, não sendo suficientes os que existem atualmente para suprir a necessidade jurídica sucessória e autoral contemporânea, que vem ganhando espaços cada vez mais intangíveis.

Assim, conclui-se preliminarmente que, diante da utilização de novas tecnologias, o Direito Autoral e o Direito das Sucessões, mais do que nunca, exigem a proeminência de normas intersubjetivas e de interligação para a proteção de Direitos Fundamentais.

 

 

TÓPICOS CONCLUSIVOS:

 

A partir da análise tecida acerca da leitura, especifica-se algumas respostas às questões que foram trazidas como, por exemplo, a possibilidade de abertura do ordenamento jurídico brasileiro para a sucessão de direitos da personalidade e dos direitos intelectuais, a partir da leitura do § 1º, do artigo 24[1], da Lei do Direito Autoral .

Caso assim não se entenda a partir da hermenêutica substancialista da jurisprudência dos tribunais superiores, observa-se que o § 1º, do artigo 24, da Lei do Direito Autoral, pode ser considerado manifestamente incompatível com o ordenamento jurídico, carecendo de revogação, numa perspectiva dimensionada com o respeito a dignidade da pessoa humana.


[1] Art. 24. São direitos morais do autor:

I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;

II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;

III - o de conservar a obra inédita;

IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;

V - o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;

VI - o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem;

VII - o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.

§ 1º Por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores os direitos a que se referem os incisos I a IV.(...)


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Referências


AFONSO, Otávio. Direito Autoral: Conceitos Essenciais. São Paulo: Manole, 2009.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.422.699/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 1º/9/2015, DJe 24/9/2015.

COSTA NETTO, José Carlos. Direito autoral no Brasil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

NEWTON, Silveira. Propriedade intelectual: propriedade industrial, direito de autor, software, cultivares, nome empresarial, título de estabelecimento, abuso de patentes. 6. ed. São Paulo: Manole, 2018.

PAESANI, Liliana Minardi. Manual de propriedade intelectual: direito de autor, direito da propriedade industrial, direitos intelectuais sui generis. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

PONTES, Hildebrando. O regime jurídico dos criadores de obras de artes plásticas e os seus titulares. In. MAMEDE, Gladston; FRANCA FILHO, Marcílio Toscano; RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz (Orgs.). Direito da arte. São Paulo: Atlas, 2015.

SANTOS, Manoel J. dos. Propriedade intelectual: Direito autoral. São Paulo: Saraiva, 2014.

ZANINI, Leonardo Estevam de Assis. Direitos de Autor. São Paulo: Saraiva, 2015.




DOI: http://dx.doi.org/10.21902/RevPercurso.2316-7521.v3i41.5565

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